quarta-feira, dezembro 12, 2012

Crítica sem autocrítica - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 12/12


O Brasil tem feito sua parte para a su­peração da crise glo­bal, disse em Paris a presidente Dilma Rousseff, em mais uma aula a respeito de como os gover­nos do mundo rico deveriam cuidar de seus problemas. Os emergentes, segundo ela, mostraram maior capa­cidade de recuperação e de manuten­ção da estabilidade macroeconômica depois do choque de 2008. "Não vaci­lamos em lançar mão de estímulos fiscais para reduzir os impactos da crise", lembrou a presidente, apon­tando uma diferença importante en­tre a política seguida no Brasil e em outros países em desenvolvimento e aquela praticada, com efeitos forte­mente recessivos, na maior parte do mundo rico. Ela parece, no entanto, haver esquecido alguns detalhes im­portantes: os estímulos animaram a economia brasileira no segundo se­mestre de 2009 e ao longo de 2010, mas foram insuficientes para impe­dir resultados muito ruins nos dois anos seguintes. Em 2011 e 2012, a pro­dução estagnou, a exportação empa­cou e a inflação se manteve bem aci­ma da meta de 4,5%.

A presidente havia recitado essa la­dainha em recente visita à Espanha, retomando o tema de pronunciamen­tos em outros eventos internacio­nais. A cantilena foi retomada fiel­mente pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, diante de seu hotel parisiense, nessa segunda-fei­ra, um dia antes de mais um pronun­ciamento de sua chefe. Também ele parece ter esquecido a parte menos gloriosa da história, a dos últimos dois anos.

A presidente Dilma Rousseff tem razão ao criticar as políticas basea­das essencialmente no aperto fiscal, mas seu recitativo nada acrescenta ao debate. Bons argumentos a favor de maior equilíbrio entre ajuste e crescimento foram apresentados vá­rias vezes por economistas do Fun­do Monetário Internacional (FMI), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo governo francês, seu anfitrião.

Se o seu discurso serviu para algu­ma coisa, foi para dar ao presidente da França, François Hollande, mais uma deixa para condenar a austerida­de excessiva defendida pelo governo alemão-e para reclamar do superávit comercial da Alemanha, mantido, em boa parte, à custa dos demais eu­ropeus. O próprio Hollande, no en­tanto, preserva o esforço de arruma­ção das contas públicas, indispensá­vel a qualquer projeto sério de retor­no à prosperidade.

A contribuição do Brasil nos próxi­mos meses, disse a presidente, será a aceleração do crescimento. Não en­trou em muitos detalhes sobre seus i planos, mas citou de passagem com­promissos com a austeridade fiscal, com a redução de custos e com a bus­ca de competitividade. Não renun­ciou, no entanto, a um exercício frequente em seus pronunciamentos I diante de plateias internacionais cobrar dos estrangeiros maior coope­ração no esforço pela estabilidade I global. Segundo ela, deveria haver um conselho de estabilidade econômica e social semelhante ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aparentemente, esse organismo deveria dispor de poderes para atuar : em diversos setores da economia in­ternacional. A presidente mencionou a importância de uma ação per­manente "para deter a marcha insen­sata de formas de protecionismo".

Em outros pronunciamentos, ela incluiu entre essas formas a política monetária expansionista dos ricos, por seus efeitos sobre o câmbio. Ela e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, têm atribuído um propósi­to comercial a ações dos bancos cen­trais dos Estados Unidos e dos paí­ses da zona do euro. Os efeitos cam­biais dessas medidas são indiretos e às vezes irrelevantes, como compro­va a depreciação do real nos últimos 12 meses. Mas a retórica dispensa detalhes factuais.

Bem pesados todos os fatos, a maior contribuição do Brasil aos de­mais países, nos últimos anos, foi o aumento da importação de bens manufaturados, graças ao descompasso entre a demanda interna e a capacida­de de resposta da indústria local, pre­judicada por um enorme conjunto de ineficiências made in Brazil. O go­verno apenas começou a reconhecer esses problemas e a ensaiar medidas para enfrentá-los. Dependerá apenas de si para realizar essa tarefa. Para es­ses males, pelo menos, as potências estrangeiras não contribuíram.

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