quarta-feira, dezembro 12, 2012
Correção de rumo na política cambial - CRISTIANO ROMERO
Valor Econômico - 12/12
Numa reação combinada, os dirigentes do Banco Central (BC) aproveitaram participação em eventos públicos nos últimos dias para avisar ao mercado que não deixarão a taxa de câmbio se depreciar muito. Na segunda-feira, foi o diretor de Política Monetária, Aldo Mendes, quem deu o recado ao afirmar que o dólar a R$ 2,07 ainda tinha "gordura" para queimar. Ontem, foi a vez de o presidente Alexandre Tombini e o diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton, alinharem o discurso em defesa de um real menos desvalorizado e do próprio regime de câmbio flutuante.
O discurso oficial era outro há pouquíssimo tempo. No dia 19 de novembro, a presidente Dilma Rousseff declarou, em entrevista ao Valor, que o governo está "em busca de um câmbio que não seja esse, de um dólar desvalorizado e o real supervalorizado". Para a presidente, o câmbio, mesmo depois da depreciação de 30% ocorrida em um ano (entre setembro de 2011 e setembro de 2012), está apreciado.
Antes de Dilma, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, asseverou que a taxa de câmbio está sobrevalorizada, precisamente em 19%. Disse isso quando o dólar valia R$ 2,03.
Banco Central quer usar câmbio para segurar inflação
Quando a presidente falou ao Valor, a taxa de câmbio estava saindo de um período de hibernação de seis meses. De maio a 12 de novembro, variou de R$ 2,00 a R$ 2,05. Nas duas semanas seguintes, foi a R$ 2,12 sem causar comoção no BC. Nesse meio-tempo, Tombini declarou que o Brasil não seria praça de desvalorização de outras moedas e que a manutenção de um câmbio menos apreciado tinha a finalidade de ajudar a indústria.
Os sinais eram claros: depois de tirar o dólar de cotações abaixo de R$ 1,70 em meados do ano passado e de levá-lo, inicialmente, para uma banda de R$ 1,70-R$ 1,90, depois para outra de R$ 1,90-R$ 2,00 e, finalmente, para R$ 2,00-R$ 2,05, o governo preparava o mercado para uma nova faixa de flutuação da moeda americana, cujo piso seria R$ 2,10.
Na semana passada, BC e Ministério da Fazenda começaram a corrigir o rumo das coisas. O governo adotou medidas para atrair dólares e a autoridade monetária fez intervenções no mercado. O dólar começou a ceder e, ontem, fechou a R$ 2,07, patamar considerado por Aldo Mendes ainda incompatível com o indicado pelo "modelo" do BC.
A correção de rumo tem objetivo claro: o Banco Central precisa da taxa de câmbio para segurar a inflação nos próximos meses. Os modelos do BC indicam que uma depreciação de 10% do real em relação ao dólar aumenta o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em algo entre 0,4 e 0,6 ponto percentual. É mais ou menos o que o governo pretende tirar da inflação com a redução dos preços de energia em 2013.
Ontem, durante depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o presidente Alexandre Tombini deixou claro que o BC conta com o câmbio como variável de ajuste dos preços domésticos. Num dado momento do discurso, disse que "as perspectivas para os próximos semestres apontam moderação na dinâmica dos preços de certos ativos reais e financeiros, dadas as condições vigentes e prospectivas da economia".
Trata-se de uma referência a dois dos principais preços da economia - câmbio e juros. "Em particular, como temos afirmado, nosso regime de câmbio flutuante não deve ser visto como um incentivo para apostas que exacerbem a sua volatilidade", afirmou Tombini, sugerindo que o BC não chancelará nova desvalorização do real neste momento e muito provavelmente nos próximos 12 meses.
A inflação, como o próprio Tombini mencionou na CAE, preocupa. O BC acreditava em setembro que os piores efeitos do choque de preços de alimentos ocorreriam naquele mês, mas o IPCA continuou a surpreender negativamente nos dois meses seguintes. Na variação acumulada em 12 meses até novembro, chegou a 5,53%, um ponto percentual acima da meta.
O BC trabalha com a hipótese de convergência da inflação à meta apenas no terceiro trimestre de 2013, desde que não ocorram novos choques de oferta e admitindo desde já elevação do índice oficial no último trimestre do próximo ano. O risco neste momento é o IPCA, pressionado por alguns grupos de preços (alimentos, artigos de residência, transportes, despesas pessoais), sofrer impacto do câmbio.
O governo teme entrar em 2013 perdendo a batalha da inflação. No mercado, há firmas de investimento que, na semana passada, estavam projetando alta do IPCA superior a 0,8% em janeiro, repetindo o que ocorreu em 2011 (0,83%) - uma pancada.
O controle do câmbio neste momento é imperativo para o BC porque o governo Dilma tem vários objetivos ao mesmo tempo. Quer juro baixo, taxa de câmbio depreciada, esforço fiscal menor, crescimento acelerado da economia e inflação na meta.
Diante dessas opções, o BC tem pouco espaço, pelo menos no curto prazo (2013), para manobrar a política anti-inflacionária, sua missão precípua. Não pode aumentar os juros porque já se decidiu que a taxa Selic ficará estável (em 7,25% ao ano) por período prolongado.
Se não pode aumentar juros, o BC deveria contar com um maior esforço fiscal do governo para controlar a demanda agregada da economia. Em 2012, depois de desmentir ao longo de todo o ano que fosse fazer isso, o Ministério da Fazenda anunciou que não cumprirá a meta cheia de superávit. Como informou o BC no último Relatório de Inflação, a política fiscal se tornou expansionista.
Sem taxa de juros nem esforço fiscal para combater a inflação, restaria ao BC recorrer, antes de lançar mão da política cambial, a medidas macroprudenciais (controle da expansão do crédito, requerimento de capital para operações de financiamento, elevação de depósitos compulsórios etc). A adoção dessas medidas vai na contramão, todavia, do aumento do crédito que o próprio governo vem estimulando, por meio dos bancos oficiais, para reativar o consumo e o investimento.
Nesse ambiente, a alternativa que sobra ao Banco Central é deixar a taxa de câmbio apreciar e, assim, baratear preços de produtos importados. É certo, todavia, que o espaço para fazer isso hoje em dia não é o mesmo do passado, afinal, o governo, como comprovam declarações do ministro Guido Mantega, já decidiu que o câmbio não cairá abaixo de R$ 2,00.
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