segunda-feira, dezembro 10, 2012

A saída é trair - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 10/12


“Eu me arrependo de uma coisa: de ter tocado guitarra na festa do ministro Joaquim Barbosa.”

LUIZ FUX, ministro do STF


A saída é trair

O que se exige de um juiz para ser promovido pelo presidente da República a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)? Duas qualidades: reputação ilibada e apurado saber jurídico. É o que pede a Constituição, e estamos conversados. Não. Conversados não estamos. A reputação pode não ser tão ilibada e o saber, apenas razoável, desde que o aspirante, digamos assim, seja um homem sensível.

Mensalão. Fux: “Deixa comigo que eu mato no peito e chuto”

ENTENDA-SE POR sensível: capaz de atender vez por outra a favores de quem o nomeou. Ou dos que o ajudaram a ser nomeado pedindo por ele junto ao presidente e aos seus cupinchas. A verdade é esta: ninguém vira ministro sem contar com padrinhos fortes. De graça, por seus belos olhos e cultura enciclopédica, vira não. Esqueça. E é aqui que mora o perigo. Quero dizer: o problema.

COMO ESPERAR independência de quem pediu favores para chegar a ministro e de quem deve favores por ter chegado lá? Só há uma saída por ora: trair. De certa forma foi o que ocorreu com alguns ministros nomeados por Lula e Dilma. Lula queria ver os mensaleiros livres. Acabaram condenados. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, revelou que Joaquim Barbosa pediu a José Dirceu para reforçar suas chances de ser ministro.

NÃO SE SABE se foi atendido. Joaquim acabou sendo impiedoso com Dirceu e a parcela maior dos réus do mensalão. Procedeu de acordo com sua consciência. Conforme as provas que enxergou no processo. Existe a favor de Joaquim o fato de ele ter ido parar no STF dois anos antes de o mensalão sacudir a República. Até então Lula parecia mais interessado em pôr um negro no STF do que em se acautelar contra escândalos e condenações futuras dos seus parceiros. Outros ministros chegaram lá depois de Joaquim. E aí...

TUDO COSTUMA ser muito delicado. Nada é dito de maneira direta. Pessoas próximas do presidente, sem nunca sugerirem que falam em nome dele, sondam as opiniões dos candidatos a ministro. Alguns assuntos preocupam o governo e podem lhe causar sérios embaraços. Dependendo das respostas dos candidatos...

“DEIXA COMIGO que eu mato no peito e chuto’,’ prometeu Luiz Fux ao ouvir de gente ligada a Lula notícias da aflição dele com o julgamento do mensalão. Fux ainda não era ministro. Pela terceira vez, estava em campanha para ser. Pedia socorro a políticos de todas as cores — Maluf, Delfim Netto, Antonio Pa-locci, Dirceu e Stédile, coordenador dos Sem Terra.

“MATO NO PEITO e chuto” não significava necessariamente que Fux absolveria os mensaleiros se os julgasse. Mas seus interlocutores entenderam que sim. E é bastante razoável pensar que Fux cometeu a frase para que ela de fato assim fosse entendida. "Eu não conhecia o processo. Ele tinha provas suficientes para condenar os réus’,’ explicou-se depois.

A INTUIÇÃO DE Lula acendeu a luz vermelha. "Como posso nomear um candidato apoiado ao mesmo tempo por Delfim e Stédile, pessoas tão diferentes?’, perguntou Lula. E não nomeou. Dilma nomeou. E ao comparecer à posse de Joaquim Barbosa como presidente do STF, nem sequer olhou para Fux. Tolice! Fux tem quem olhe para ele no calça-dão de Ipanema.

HÁ PROPOSTAS EM tramitação no Senado para mudar a maneira de escolha de ministros dos tribunais superiores e torná-la menos contaminada pelos interesses do governo e dos políticos. Difícil que prosperem. Não servem para o governo. Nem para os políticos que aprovam as nomeações na esperança de colher favores futuros.

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