domingo, dezembro 23, 2012

A receita de veneno do comissariado - ELIO GASPARI

O GLOBO - 23/12

Lula acha que pode botar o povo na rua para defender delinquentes; Collor teve a mesma ideia, deu no que deu 

LULA E José Dirceu, bem como os comissários Gilberto Carvalho e Rui Falcão, mostraram-se dispostos a botar povo na rua para defender o que chamam de "nosso projeto". A ideia é tirar a nação petista do inferno astral em que se meteu com o ronco das praças.

Deveriam pensar duas vezes. Talvez três, consultando-se com o senador Fernando Collor de Mello. Em agosto de 1992, ainda na Presidência, acossado por denúncias de roubalheiras, ele foi à televisão e pediu ao povo que o defendesse, vestindo verde e amarelo no dia Sete de Setembro. A garotada o ouviu e saiu por aí vestindo luto, com as caras pintadas. Em dezembro, Collor renunciou à Presidência.

O que vem a ser o "nosso projeto" em cuja defesa o comissariado quer gente na rua? O pedaço dos dez anos de mandarinato petista que garantem popularidade a Lula e à doutora Dilma nada tem a ver com o infortúnio dos mensaleiros e dos jardins de Rose Noronha.

Há gente disposta a sair às ruas para defender muitas iniciativas realizadas pelo PT desde 2003, mas se o comissariado acredita que conseguirá uma mobilização popular para proteger delinquentes condenados pelo Supremo Tribunal ou apanhados pela Polícia Federal, pode estar apostando numa radicalização suicida.

O repórter José Casado acompanhou três comícios de Lula durante a última campanha eleitoral. Viu-o nas praças de São Bernardo, Santo André e Diadema. Em cada uma delas havia algo em torno de 2.000 pessoas. Dois terços da audiência eram compostos por uma plateia que havia chegado em ônibus fretados por comissários. Casado tirou uma prova perguntando a vendedores de água como ia a féria. Muito mal.

Se a ideia é botar povo na rua sem ônibus de prefeituras, dispensando a infraestrutura da Viúva, tudo bem. Se acreditam que podem usar esses recursos sem que ninguém perceba, enganam-se. Produzirão apenas mais situações escandalosas.

Quando Collor teve sua péssima ideia, já existia mobilização popular contra ele. Potencializou-a. Há pessoas indignadas com a postura petista de defesa de delinquentes condenados. Elas ainda estão em casa, quietas. Se o negócio é ir para a rua, elas também podem ir, sem ônibus das prefeituras.


VIDA DE PRESO

Boas almas do PT e do PSDB paulista vêm conversando para evitar contratempos durante a permanência dos mensaleiros no presídio do Tremembé.

Os tucanos temem que os petistas demorem para entender as regras da carceragem. Andar de cabeça baixa nas áreas comuns, por exemplo, como é exigido aos demais detentos.

Os petistas temem provocações destinadas a humilhar os companheiros.

INFRASSAUNA

Durante o Estado Novo, os irmãos Marcelo e Milton Roberto projetaram o aeroporto do centro do Rio e ergueram um dos mais festejados prédios do mundo. Pudera, com o Pão de Açúcar em frente, a natureza era sua cúmplice. Não tinha ar refrigerado, nem precisava.

Passou o tempo e vieram a Infraero e os interesses das empreiteiras. Projetaram uma expansão que resultou numa estufa, a um custo de R$ 334 milhões.

No início do mês, o sistema de refrigeração encrencou, e a temperatura na sauna chegou a 33ºC. Se São Dimas ajudar, o conserto terminará hoje.

Como dizia o poeta Cacaso ao tempo dos generais:

Ficou moderno o Brasil ficou moderno o milagre a água já não vira vinho vira direto vinagre.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e alistou-se na tropa de articuladores da nomeação do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, para o Supremo.

O cretino não é advogado. Habilitou-se ao saber que Sartori recrutou o notável ex-senador Gilberto Miranda, que tentou atrair o infectologista David Uip, da equipe médica da doutora Dilma.

ISONOMIA

Vem aí o grande filme de Kathryn Bigelow sobre a caçada a Osama bin Laden.

Para as plateias de Pindorama ele trará um desafio ético-cultural de bom tamanho.

Quem viu "Tropa de Elite" e gostou ou tolerou as cenas de torturas com a asfixia de malfeitores fica na obrigação de defender as imagens de afogamento de presos por torturadores da Central Intelligence Agency.

Não dá para ser politicamente correto e defensor dos direitos humanos (com uma pitada de anti-americanismo) no contexto internacional, transformando-se num observador pragmático quando se tratam dos costumes nacionais.

DUAS BIBLIOTECAS

Na semana passada, os funcionários da Biblioteca Nacional voltaram à rua para denunciar as más condições da instituição.

Os sistemas elétrico e hidráulico estão deteriorados, há armazéns onde a temperatura chega a 50°C. Isso e mais os cupins.

Há poucos dias, uma grade despencou do quinto andar do prédio centenário.

Enquanto isso, a biblioteca se dedica a gastar dinheiro em projetos de glorificação editorial que nada têm a ver com as funções de uma casa de guarda de livros.

Quando Nova York criou a sua biblioteca, em 1895, a do Rio existia havia mais de meio século.

Apesar da crise financeira, ela tem um projeto de US$ 300 milhões para melhorar seu atendimento ao público e a conservação do acervo.

A biblioteca de Nova York fechará às 17h na véspera de Natal e no último dia do ano.

A do Rio não abrirá.


O EXEMPLO DA PLUTOCRACIA NO INSPER

Em 1999, o economista Claudio Haddad comprou a instituição de ensino superior que hoje é o Insper, em São Paulo. Conhecido pelo horror que tem a dinheiro público, transformou uma escola de administração e economia que tinha 660 alunos num educandário exemplar, hoje com 5.000 matriculados.

Em vez de pedir dinheiro à Viúva, busca recursos na plutocracia nacional. A cada ano arrecada cerca de R$ 2 milhões, destinando R$ 700 mil para um fundo de bolsas que ampara 110 estudantes.

Em 2010, Haddad teve a ideia de criar uma faculdade de engenharia que abrisse suas aulas em 2015, com 150 alunos no primeiro ano e 300 no seguinte. Novamente, foi buscar uma coisa na qual ninguém acredita: filantropos na iniciativa privada. Precisava de R$ 80 milhões.

Em um ano, arrecadou compromissos de R$ 85 milhões. Entraram na vaquinha quatro grupos industriais (Ultra, Votorantim, Camargo Corrêa e Gerdau), três bancos (Itaú, Bradesco e BTG Pactual), mais duas fundações (Lemann e Brava), e quatro doadores individuais.

Quando Haddad fundou o Insper, tinha patrimônio suficiente para levar a vida al mare. Nunca tirou um tostão da entidade (botou nela um ervanário cujo tamanho não revela), e desde que fundou o Insper jamais tocou em dinheiro da Viúva. Simplesmente acredita que o capitalismo funciona e que há no Brasil milionários que pensam como ele.

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