sexta-feira, novembro 16, 2012

Visão autoritária - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/11


A nota oficial da Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores revela a face autoritária desse partido, nascido sob o lema de ser o paradigma de uma nova maneira de fazer política limpa e comprometida com o bem comum, lema que nunca deixou de ser o que sempre foi: apenas um instrumento de marketing político para a tomada do poder.

Desde os primeiros comandos municipais que alcançou, com a aura de estar levando os trabalhadores ao poder, o PT passou a atuar nos bastidores da baixa política, no submundo das licitações fraudulentas, conseguindo enganar muitos durante muito tempo, até que o escândalo do mensalão estourou em 2005, quando o partido já ocupava o poder central.

A direção nacional do PT ainda é dominada pelo grupo político liderado pelo réu condenado José Dirceu, e por essa razão ele é o único petista citado expressamente. A verdadeira face revelada pela nota oficial é mascarada pela defesa da democracia, mas na verdade o PT tenta desmoralizar as instituições que não conseguiu ainda aparelhar.

Sob um verniz de defesa da liberdade de expressão, a nota não passa de mero pretexto para mais uma vez tentar desqualificar o Supremo Tribunal Federal e a liberdade de imprensa, dois dos principais obstáculos à dominação total dos mecanismos democráticos do Estado pretendida pelo PT, na busca de uma democracia apenas formal, como as dos vizinhos “bolivarianos” aos quais o PT dedica seus melhores apoios.

Ao insistirem na lenda urbana de que Dirceu foi condenado sem provas pelo uso indevido da teoria do domínio funcional do fato, os petistas que dominam a Executiva querem criar uma fantasia e iludir a sociedade, que acompanhou o julgamento por mais de três meses pela televisão e está cansada de saber que existem “provas torrenciais” contra o ex-ministro todo-poderoso.

O próprio Claus Roxin, jurista alemão teórico da tese do domínio do fato, explicou que faz parte da tradição do direito anglo-saxão a ideia de que, em certas circunstâncias, o réu não “tinha como não saber” o que acontecia à sua volta, embora ele não concorde com a tese. O comentário do presidente do Supremo, Ayres Britto, citado na nota como exemplo da condenação sem provas de Dirceu, é apenas mais um elemento de convicção utilizado para a condenação, e foi trazido ao julgamento pelo ministro Luiz Fux.

Às duas teorias somaram-se as inúmeras provas testemunhais e indiciárias para permitir uma ampla maioria a respeito da culpabilidade do “chefe da quadrilha”. Afinal, um resultado de 8 a 2 só pode ser entendido como uma condenação peremptória.

Quando fala em “fim do garantismo”, o PT sugere que muitos dos juízes tidos como votos a favor dos réus mudaram as posições tradicionais para condená-los, mas o que realmente aconteceu é que as provas eram tantas e tão explícitas que ministros “garantistas” como Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes não tiveram dúvidas em condená- los. Eles não mudaram posições, só não havia direitos a serem garantidos, mas crimes a serem punidos.

Quando a nota diz que “pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte”, fica-se sem saber se petistas torcem para que não se repita, já que o considera ilegítimo, ou se exigem a postura em outros julgamentos, mesmo considerando a incoerência implícita nessa reivindicação.

A reafirmação de que “o STF fez um julgamento político, sob intensa pressão da mídia conservadora”, reincide no ridículo, já que o colegiado foi nomeado em sua maioria — 8 dos 11 ministros no início do julgamento, e agora 6 dos 9 — por governos petistas. A nota reafirma “sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e pessoal”

Diante das provas dos crimes cometidos, que o PT tenta transformar em “erros e ilegalidades” motivados pela legislação eleitoral, nem mesmo o ministro Dias Toffoli, o mais ligado ao PT, teve ânimo para tal defesa. Ele retirou do esquema o caráter político, mas disse que os crimes foram cometidos “por motivos pecuniários”. Para tentar livrá-los da cadeia, Toffoli transformou-os em reles ladrões dos cofres públicos, sem dar-lhes o direito de dizer que fizeram o que fizeram “pela causa”.

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