sábado, novembro 17, 2012

Uma antropologia imóvel - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 17/11


A Funai busca eternizar os povos indígenas como personagens simbólicos da vida simples e primitivos


Toda antropologia é política. Mas nada justifica que as extensas e profundas informações que essa ciência vem acumulando sobre as diversas formas de organização da sociedade indígena sejam usadas como instrumento de dominação e manipulação.

Ainda mais neste Brasil de autores consagrados, nacionais e estrangeiros, com seus fartos estudos sobre a vida e os costumes de nossos índios e suas etnias.

Nossos tupis-guaranis, por exemplo, são estudados há tanto tempo quanto os astecas e os incas, mas a ilusão de que eles, em seus sonhos e seus desejos, estão parados no tempo não resiste a meia hora de conversa com qualquer um dos seus descendentes atuais.

Quem observar com atenção o Censo Demográfico de 2010 percebe que não se sustenta a opinião única sobre os índios, sua distribuição espacial ou modo de viver.

Até mesmo estudos e levantamentos mais antigos já revelavam que "povos da floresta" -pescadores, nômades e coletores- não são, há muitos anos, a cara e o coração predominante dos índios brasileiros dos nossos dias.

Foi o que comprovou recente pesquisa encomendada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ao Datafolha, revelando a antropologia imóvel praticada pela Funai.

A instituição teoricamente encarregada de compreender os povos indígenas para poder protegê-los busca eternizar os índios como personagens simbólicos da vida simples e primitiva.

Pensando em seu lugar, a Funai tenta manter o controle sobre eles, fingindo não ver que a maioria assiste televisão e tem geladeira e fogão a gás, embora continue morrendo de diarreia porque seus tutores não lhes ensinaram que a água de beber deve ser fervida.

Há tempos o isolamento em áreas remotas da floresta amazônica, salvo raríssimas exceções, não corresponde mais a uma necessidade vital dos índios e das suas diversas etnias.

Ao contrário, esse status aparentemente romântico serve, na verdade, para justificar o contrato de tutela que ainda os mantém como brasileiros pobres.

A Constituição de 1988 determinou que "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar os seus bens".

Com a opção pelo verbo "ocupar" no presente do indicativo, o constituinte estava seguro de que as terras tradicionalmente ocupadas eram uma parte da justiça. Mas, a partir daí, reduzir o índio à terra é o mesmo que continuar a querer e imaginá-lo nu.

Quando a Funai e o Ministério Público viram as costas a essa determinação constitucional -não demarcando ou demarcando além do que era ocupado até 5 de outubro de 1988-, não somente aumentam o conflito nas áreas, como também criam falsas expectativas para toda a sociedade.

Um verdadeiro discurso do falso enraizamento é que serve para produzir mais poder político para as instituições que se sentem "proprietárias" dos históricos índios brasileiros. E seguem indiferentes à sorte dos atuais brasileiros índios.

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