quinta-feira, novembro 22, 2012

Para Isadora Faber - MARCELO MITERHOF

FOLHA DE SP - 22/11


Não é fácil encontrar canais efetivos para expressar um descontentamento quanto a serviços públicos ruins


Em 2007, comecei a cursar a graduação em filosofia na UFRJ. A experiência tem sido um sofrido teste para minhas crenças políticas e econômicas.

São diversos os problemas do curso, dos quais três merecem mais destaque. O primeiro é que em cerca de metade das disciplinas que fiz os professores não cumpriram com a carga horária mínima. Há professores que seguem rigorosamente com o seu dever, mas trabalhar é facultativo na faculdade de filosofia.

Por exemplo, em razão de uma greve, o segundo semestre de 2012 começou em 15 de outubro passado e deveria se estender até fevereiro de 2013. Mas há professores que já avisaram que não vão dar aulas até essa data, ao menos um decidiu que sua disciplina acaba em dezembro.

O segundo problema é que o curso não tem estrutura curricular. As disciplinas, mesmo as obrigatórias, não têm um conteúdo necessário. Há alguns semestres, uma matéria compulsória de história da filosofia medieval abordou autores renascentistas, pois o professor não gostava dos filósofos medievais.

A maioria das disciplinas tem conteúdo muito específico, em geral em algum assunto de interesse da pesquisa do professor. Quer dizer, o aluno, ao terminar a graduação, não apenas cumpriu um percurso curricular aleatório como seu conteúdo é recortado e mal amarrado.

Terceiro, a leitura obrigatória para fazer as avaliações é reduzida. É comum que não passe de 30 páginas por disciplina ao longo de um semestre. Certa vez uma professora argumentou ter feito um curso de doutorado versando apenas sobre um parágrafo. Num curso de pós-graduação, em que os alunos trazem uma ampla leitura prévia, isso talvez faça sentido. Mas como ter um entendimento minimamente bem fundamento sobre a filosofia e sua história se ao longo da graduação se a carga de leitura é tão baixa?

A conclusão é que, mesmo tendo um rendimento elevado nas disciplinas, sairei do curso sem minimamente ter aprendido o que um bacharel em filosofia precisa saber.

Não é fácil encontrar canais efetivos para expressar um descontentamento quanto a serviços públicos ruins, prestados sem compromisso com a população que os financia. Na UFRJ, fui bem recebido por professoras que à época ocupavam a Ouvidoria e a direção do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Contudo, elas se mostraram impotentes para resolver a situação.

A filosofia é um caso extremo na UFRJ e na universidade pública brasileira. Mas é um sinal de que ela precisa ser repensada. Por exemplo, com estabilidade praticamente absoluta no emprego e escolha interna de dirigentes, é difícil estabelecer uma hierarquia que vise a corrigir falhas e promover melhoras.

Estudando economia em outra universidade pública, a Unicamp, aprendi que foi a criação do Estado de Bem-Estar Social -caracterizado pela atuação pública em atividades como educação, saúde e infraestrutura- que permitiu converter o dinamismo produtivo do capitalismo em ganhos para toda a sociedade. No entanto, é difícil negar que a experiência na faculdade de filosofia leva água para o moinho de quem quer a redução do papel do Estado.

A verdade é que não há motivos para ter um compromisso apriorístico com a ideia do Estado de Bem-Estar Social. Ao contrário, a motivação de sua existência é pragmática. Há bons motivos para defender a universidade pública, mas isso precisa ser demonstrado por ações concretas, que combatam seus problemas, em especial o corporativismo. Isso não é fácil. Por exemplo, talvez eu receba umas bordoadas apenas por ter publicado este texto, que relutei a escrever.

Mas não pude deixar de fazê-lo ao ler a comovente atualização que a Folha fez em 11/11/2012 das notícias sobre a estudante Isadora Faber, uma menina de 13 anos que, em agosto passado, começou a publicar um blog com as mazelas de sua escola pública em Florianópolis. Suas reclamações são triviais: falta de professores efetivos, infraestrutura precária, ensino de baixa qualidade etc. Isadora quer aprender, e não apenas "passar de ano".

Desde então, sua casa foi apedrejada. Ela foi recriminada por colegas e professores, entre outros dissabores. Ainda assim, consegue manter a tranquilidade e a firmeza para continuar o blog. A coluna de hoje, em sua homenagem, tenta fazer com que ela não se sinta sozinha.

Um comentário:

  1. divani faber2:45 PM

    Caso houvesse uma união estudantil, a situação seria outra, temos que começar a revolucionar este país. A democracia trouxe apenas baderna. Tudo é na base de falcatruas e bolas, teríamos que mudar começando com as crianças, mas como: Se os pais votam em troca de qq coisa?? É o país da troca...lastimável..

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