quinta-feira, novembro 15, 2012

Paciência e compaixão - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 15/11


Sem ter sido 'caridoso' nas condenações, Ayres passou a imagem de possuir um temperamento amoroso


PROCURO FAZER tudo em estado amoroso, disse Ayres Britto em seu discurso de despedida no STF. Relembrava uma frase de madre Teresa de Calcutá. Perguntada sobre o juízo final, ela respondeu que imaginava, nessa hora, não ser julgada pelo que fez de bom ou de mau. Mas sim pela quantidade de amor que tivesse posto em cada uma de suas ações.

Sem ter sido "caridoso" nas suas condenações, Ayres Britto sem dúvida passou a imagem, para quem acompanha o julgamento do mensalão, de possuir de fato um temperamento amoroso.

Foi sempre sua a frase amável, em meio às carrancas dos colegas. Na paciência, ao menos, a comparação com madre Teresa não é fora de propósito.


A compaixão pelos presos deste país, que só agora o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, achou oportuno expressar, certamente inspirou Dias Toffoli na tarde de ontem.

No meio das discussões sobre as penas de José Roberto Salgado, do Banco Rural, ele teve seu momento de destaque.

Toffoli fez uma defesa correta da importância das multas como instrumento penal. E afirmou com alguma estridência que "as penas restritivas de liberdade aplicadas neste processo não têm parâmetro" na história brasileira. Por que não colocar o parâmetro de multas pesadíssimas também? Seria uma punição menos medieval, ressaltou. E tem razão.

Celso de Mello, Gilmar Mendes e outros aceitaram o convite à reflexão, denunciando com eloquência o horror das prisões brasileiras.

Voltando a Toffoli. Que tipo de violência, de ameaça física, perguntou ele, é exercido por "uma banqueira, uma bailarina", como Kátia Rabello?

Querer sua prisão não representa uma resposta "contemporânea" ao crime, disse ele, citando até Michel Foucault.

Sem dúvida. Mas, fosse para seguir integralmente as teses do filósofo francês, um juiz teria de abandonar o cargo.

Criando coragem, mais adiante, Toffoli avançou contra a opinião de vários colegas. O objetivo do esquema, disse, não era atentar contra a democracia nem contra o Estado de Direito, "que são mais sólidos do que isso!". O objetivo de todo o esquema criminoso era "o vil metal" -e que se "pague com o vil metal" o crime cometido!

Calma lá. Até seria uma circunstância atenuante, que não foi levada em conta no STF, o fato de Genoino e outros não terem enriquecido com a operação.

Corromper parlamentares, entretanto, para obter apoio no Congresso foi um ato de evidente inspiração política -e atentatório, no mínimo, às regras da democracia. Se a democracia resiste a isso, não quer dizer que não foi agredida. No mínimo, pelo que isso desmoraliza a função parlamentar.


PS - O artigo da terça-feira passada, para o caderno especial sobre o mensalão, pode ter dado a entender que Rosa Weber, Luiz Fux e Marco Aurélio optaram por inverter o princípio de que a prova cabe ao acusador.

Não; mesmo Luiz Fux, que foi quem mais se estendeu sobre o assunto, observou apenas que, uma vez feita a acusação, a defesa também tem de provar suas alegações, como, por exemplo, o álibi do réu.

Seja como for, o ministro Marco Aurélio Mello solicita que se reitere, neste espaço, sua posição a respeito: o ônus da prova cabe ao Ministério Público.

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