sábado, novembro 24, 2012

O rei, a presidente e os investimentos - LEONARDO CAVALCANTI


CORREIO BRAZILIENSE - 24/11

O rei pode até não parecer mais o mesmo, aliás, a Espanha não é a mesma. E, de mais a mais, as expressões de dor por causa da cirurgia do quadril real nos remetem o tempo todo ao fiasco de uma caçada a elefantes ocorrida há seis meses. Mas, vá lá, não é todo o dia que um rei nos clama um favor.

E assim nos faz humildemente. Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón-Dos Sicilias — o homem responsável pela transição franquista e a democracia da Espanha — nos pediu uma gentileza: o Brasil bem que poderia facilitar os vistos de trabalho para profissionais espanhóis.

A simbologia do gesto e do tom de sua majestade poderia ser suficiente para nós, plebeus, passarmos uma semana em festa. Chegamos lá, pois. Os favores agora são dados por nós. Não precisamos mais mendigar para entrar naquele país ou ser barrados, e assim chorar por 11 horas ao longo do voo de volta.

O pedido de Juan Carlos foi feito a Dilma na última segunda-feira, em Madri. Antes de um almoço no Palácio Real, o homem solicitou a colaboração das autoridades brasileiras. Diplomatas e ministros dos dois países já tentam encontrar formas para fazer a liberação dentro das regras atuais de imigração.

Há uma série de normas a serem avaliadas antes da liberação do trabalho de estrangeiros no país, como os médicos, por exemplo, que teriam de fazer provas de revalidação do diploma no Brasil. Mas isso é outra história. O que interessa aqui é o pedido do rei e o nosso poder. Ou a falta dele.

Até bem pouco tempo, as autoridades de imigração espanholas barravam mais de 1.500 brasileiros por ano. Foi o que ocorreu em 2010, por exemplo, quando o 1.695 dos nossos foram mandados de volta ao país ao desembarcarem nos aeroportos de Madri e Barcelona. As notícias causaram revolta à época.

No ano seguinte, em 2011, tal número caiu um pouco, chegando a 1.419. Com a crise europeia e o aumento do poder de consumo do Brasil, a situação mudou. De uma hora para outra, as autoridades espanholas ficaram mais simpáticas — e agora mais humildes, como demostra o próprio rei.

Nos três primeiros meses deste ano, apenas 90 brasileiros foram rejeitados. Os números caíram ainda mais em maio, junho e julho, quando apenas 70 pessoas voltaram para casa. “Ao que parece, apenas quem realmente não tem condições de entrar foi barrado”, disse um embaixador brasileiro.

Os números acima servem para os espanhóis mostrarem que estão dispostos a acolher os brasileiros. Se dizem abertos para a América Latina, “povos amigos desde criancinha” etc. Aqui, entretanto, um detalhe: até que ponto estamos fortes o suficiente para servimos de boia para a Espanha?

Desconfio que nada seja tão fácil. Primeiro, porque não dá para considerar um pedido de alguém como um prêmio. Depois, não dá para comemorar uma dificuldade alheia quando parecemos crescer. Por último, porque não estamos com essa banca toda. Temos cá nossos problemas.

Mais latinos
Mesmo depois da entrevista a políticos e a autoridades espanholas e brasileiras, ainda não está claro se estamos próximos do Primeiro Mundo ou se a Espanha ficou mais perto da América Latina. A melhor resposta, como disse-me um diplomata daqui, talvez fosse um pouco das duas coisas.

Por mais que tenhamos um mercado consumidor gigantesco para os padrões de países europeus, por mais que o governo federal esteja disposto a liberar o caixa dos investimentos públicos, por mais, por mais… Temos as nossas fragilidades e estamos longe de diminuir a desigualdade no país.

Temos uma presidente disposta a não seguir a cartilha das bancas econômicas. Dilma Rousseff critica duramente a austeridade das regras impostas à população pelas autoridades europeias: corte de salários e pensões, aumento de impostos e reformas para facilitar demissões. No discurso, por ora, estamos bem.

Mas, da mesma forma que devemos ser céticos em relação ao rei, devemos ser céticos sobre nossa força, pois.

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