sábado, novembro 24, 2012

O mensalão e a economia - JOSEF BARAT

O Estado de S.Paulo - 24/11


Ao contrário do que ocorre nos países vizinhos, há no Brasil uma grande calma tectônica. O País todo está situado na região central da grande Placa Sul-americana e não tem contato territorial com nenhuma de suas bordas. Os pequenos sismos que surpreendem certas regiões ou são reflexos de eventos sísmicos ocorridos nas bordas da placa ou têm origem na acomodação de pequenos desequilíbrios no interior da parte mais externa da litosfera. Como tudo é tolerável e sem grandes consequências, os reequilíbrios deixam incólumes os elementos geológicos participantes.

A analogia com a política é inevitável: os reequilíbrios políticos em nossa história são muito similares, pois, do mesmo modo, não temos grandes convulsões sociais e políticas. Tradicionalmente, o jogo político decorre de lentas acomodações, sem grandes cataclismos. É verdade que houve o golpe que depôs Pedro II, a Revolução de 1930 e o movimento de 1964. Mas, comparando com o que houve na América espanhola, o Brasil é um exemplo de estabilidade e capacidade de mudanças por meio de negociações nas camadas mais subterrâneas. As mudanças e acomodações no longo prazo, embora lentas, são mais negociadas, ao contrário das turbulências e cataclismos da vizinhança.

Estamos, agora, em pleno processo (pouco percebido) de acomodação de placas tectônicas. A camada mais interior está se atritando com a mais externa, indicando mudanças. Sabe-se que o empresariado e o mundo dos negócios estiveram muito bem alinhados com o governo FHC - quando resolveram experimentar uma mudança - e deram-se muito bem com Lula, pois se sentiram seguros. Foram períodos em que, apesar de turbulências externas, o ambiente foi de estabilidade e confiança nas políticas macroeconômicas e na atuação do Banco Central. Além disso, houve redistribuição de renda, muito consumo e consequente estabilidade social. Com Lula, foi bom enquanto durou e eventuais ameaças às instituições, insegurança jurídica e intimidações ao ambiente de negócios foram contornadas. Se compararmos com a inconstância e turbulência das Repúblicas vizinhas, o Brasil avançou de forma lenta e segura.

Porém dois movimentos indicam um ponto de virada. Primeiro, o julgamento do mensalão, com o petismo acuado e mostrando que não é da sua natureza promover a negociação política sem o domínio das instituições. A oposição, por sua vez, está muito enfraquecida e em estado de torpor por suas disputas internas. Neste contexto e de forma pragmática, a camada interior - a das tradições institucionais, da segurança jurídica e do ambiente de negócios - movimenta-se em busca de nova acomodação. Isso significa que surgirão novas negociações e alianças, visando à estabilidade política e ao efetivo equilíbrio dos Poderes. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) viram com clareza e objetividade os riscos decorrentes da propagação da insegurança jurídica, se se menosprezasse o alerta de Celso de Mello de "altos dirigentes do Poder Executivo e de agremiações partidárias" terem "transformado a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de governo". Em suma, a mensagem do STF foi a de que há segurança institucional e jurídica no País.

O segundo movimento é o do conflito de interesses dos setores econômicos modernos e altamente competitivos com aqueles tradicionais. Os primeiros querem e precisam de maior inserção do Brasil no mundo globalizado (maior liberdade de comércio, fluxos de investimentos e protagonismo econômico, além de modernização e concessões nas infraestruturas). Querem, pois, segurança e maturidade institucional. Já os setores tradicionais acham que competitividade se ganha com medidas protecionistas e câmbio, quando se sabe que a conta do custo Brasil é nutrida por graves deficiências nas infraestruturas, carga tributária escorchante e níveis educacionais indigentes. É um conflito subterrâneo de bom tamanho, que poderá (ou não) movimentar as alianças políticas para um patamar mais elevado de credibilidade do País.

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