sábado, novembro 03, 2012
O drama sem-fim dos haitianos - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 03\11
Por incrível que pareça, degradou-se ainda mais a situação dos imigrantes haitianos abrigados provisoriamente nos confins do Acre. Não bastasse o drama de abandonar o país em que viviam em razão da calamidade em que se encontra o Haiti após o grande terremoto de 2010, esses imigrantes, enquanto aguardam a emissão de autorização para permanecer no Brasil, perderam a pouca ajuda que o governo acriano lhes dava. Por falta de dinheiro, foi suspenso o fornecimento de alimentos, e o aluguel da casa onde eles estão abrigados não está sendo pago. Assim, está claro que é urgente o socorro a essas pessoas, mas não se pode perder de vista que tal crise resulta principalmente da enorme porosidade das fronteiras amazônicas - um convite à ação dos "coiotes", criminosos especializados em contrabandear pessoas. Enquanto resolve qual é a melhor maneira de socorrer esses refugiados, o governo brasileiro faria bem se reforçasse o policiamento para frustrar a ação das quadrilhas que ainda lucram com a tragédia haitiana.
Os refugiados chegam a pagar US$ 1 mil para cruzar a fronteira. Eles saem de Porto Príncipe, a capital do Haiti, e vão de navio até o Panamá e, em seguida, para o Equador e o Peru. De Lima, seguem de ônibus até o Brasil, pela Rodovia Transoceânica. Alguns fazem o percurso a pé. Outra rota parte de Ibéria, no norte da Bolívia - é uma caminhada de 8 quilômetros no meio da mata até a estrada que leva a Cobija, na fronteira com o Acre. Um dos principais destinos é a cidade acriana de Brasileia, por onde já passaram mais de mil haitianos e onde hoje estão 216 deles, a maioria estudantes de 20 a 30 anos de idade, com alguma qualificação. O governo brasileiro deverá legalizar sua situação em breve, mas, até que isso aconteça, sua condição de vida se agrava dia a dia.
A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Acre informou que não tem mais condições financeiras de dar assistência aos refugiados, principalmente a alimentação, e aguarda ajuda federal. "A secretaria literalmente quebrou, acabou, não tem mais nada", disse o secretário Nilson Mourão à Folha (25/10). Os gastos do governo acriano com os refugiados somam mais de R$ 2 milhões desde dezembro de 2010, quando a crise humanitária começou. O fornecedor de alimentos suspendeu o serviço em 19 de setembro, em razão de uma dívida de cerca de R$ 60 mil. Assim, os haitianos passaram a depender de doações, e a situação é crítica - há apenas um fogão para cozinhar para todos.
Desde o terremoto de 2010, cerca de 5 mil haitianos entraram no Brasil pelas fronteiras amazônicas. O governo vinha dando vistos a todos os refugiados por razões humanitárias, mas em janeiro decidiu definir uma cota de 1.200 vistos anuais, com validade de cinco anos. Até agora, apenas metade dos ilegais teve sua situação regularizada. Enquanto isso, há informações de que novos grupos de refugiados já se preparam para cruzar a fronteira. Como disse a deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, "o tráfico (de pessoas) se intensificou porque os 'coiotes' atuam com mais rapidez do que as autoridades".
Preocupado em aliviar o ônus sobre o Acre, seu secretário de Justiça pede "que não haja mais restrições para o ingresso desses imigrantes no País, para que eles possam seguir seu caminho com mais tranquilidade em busca de uma vida melhor". Trata-se de um óbvio exagero. Embora a emergência humanitária seja inegável, não se pode ignorar um aspecto essencial desse drama: o de que o Brasil tem sido bem mais amistoso que seus vizinhos em relação aos imigrantes ilegais haitianos - basta saber que eles foram expulsos do Peru e que o Equador reforçou recentemente suas fronteiras para impedir que eles entrassem.
O governo brasileiro deve encontrar um meio de tratar da questão com sensibilidade, e parece que vem fazendo isso, mas não pode, como querem alguns, tomar para si a responsabilidade de cuidar de todos os haitianos abatidos pela tragédia, abrindo as fronteiras sem nenhum critério ou restrição. Nenhum país do mundo faria isso.
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