sexta-feira, novembro 02, 2012

Desvios no Egito - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 02\11


Não caminha muito bem o processo de redigir uma nova Constituição para o Egito.

O maior problema é a composição da comissão encarregada de escrever o documento. Mesmo tendo sido reformulada por ordem judicial, para comportar maior diversidade, ela ainda é dominada por religiosos -alguns mais extremados, como os salafistas- e dá pouca voz para os secularistas.

Como não poderia deixar de ser, o texto apresentado no início de outubro está repleto de concessões aos clérigos que, se não inviabilizam a democracia, a enfraquecem bastante.

O caso mais gritante é o estatuto da lei islâmica. Aparentemente, os salafistas concordaram em abrir mão de um dispositivo que tornaria a "sharia" a única fonte da legislação. Contentaram-se com uma fórmula mais leve, pela qual as normas civis não podem contradizer a lei religiosa.

Mas, como o Diabo mora nos detalhes, os ultrarreligiosos podem obter resultado similar com uma cláusula que concede à Universidade Islâmica de Al-Ajar o monopólio de interpretar o que está ou não de acordo com a "sharia".

Algo semelhante ocorre com as liberdades civis. Há um artigo que assegura a igualdade entre homens e mulheres, mas apenas desde que isso não entre em conflito com as determinações da "sharia".

A liberdade de culto também está garantida, mas só para muçulmanos, cristãos e judeus. As religiões não abraâmicas ficariam sem proteção legal e sem o direito de construir seus templos.

É bem verdade que o texto proposto traz avanços significativos ao retirar dos tribunais militares a autoridade para julgar civis, assegurar em termos razoavelmente fortes a liberdade de expressão (embora os salafistas tenham conseguido criminalizar a blasfêmia) e legalizar as greves e as manifestações políticas.

Para acrescentar incerteza ao que já é complicado, os trabalhos da comissão ainda estão num limbo jurídico. O questionamento de sua composição foi remetido à Suprema Corte, dominada pelos militares, e não há prazo para julgá-lo.

A ideia é que a Carta vá a referendo popular. Pretendia-se que isso ocorresse ainda neste ano, algo que a esta altura parece muito improvável.

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