sábado, novembro 10, 2012
De Hu para Xi - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 10/11
Perdidas as ilusões de que a abertura econômica da China, ou o "socialismo de mercado" introduzido por Deng Xiaoping no final dos anos 1970, desembocaria inexoravelmente na abertura política do regime, os frustrados analistas ocidentais se aferram agora a uma nova esperança. A desaceleração do crescimento chinês, dos extravagantes 10% ao ano, em média, do último decênio, para "apenas" 7,5%, argumentam, acabará estimulando a demanda reprimida por mais liberdade. Isso porque acentuará a infinidade de conflitos de interesses nesse país-planeta onde, por exemplo, os 10% do topo da pirâmide passaram a deter 85% da riqueza nacional. Ainda segundo esse raciocínio, doravante ficará mais difícil para o Partido Comunista Chinês (PCC) recorrer à repressão, como fez ao longo do período prestes a se encerrar do presidente Hu Jintao, a fim de impedir o transbordamento das insatisfações sociais.
Os otimistas citam um recente editorial do Diário do Povo de Pequim, órgão oficial do Partido Comunista Chinês, para sugerir que a tese da descompressão da ditadura é compartilhada por facções da elite partidária. "À medida que aumenta a consciência do público sobre o direito de saber e participar, e também sobre o Estado de Direito", reconhece o jornal, "vemos que a democracia na China não alcançou o nível que muitas pessoas esperam."
Nada remotamente parecido com isso, no entanto, se ouviu no discurso de despedida de Hu - depois de 10 anos, ele será substituído no comando do partido ainda este mês, e da chefia do governo em março do ano que vem, por Xi Jinping, filho de um dos heróis da revolução comunista de 1949, escolhido para ambos os cargos em 2007. Na quarta-feira, ao falar na abertura do 18.º congresso do partido, perante 2.300 de seus hierarcas, foi de uma clareza incomum no seu meio.
Citando Mao, conclamou os camaradas a "preservar a liderança do partido" e a "ampliar persistentemente a vitalidade do setor estatal da economia e a sua capacidade de alavancar a economia". Não parece que o discurso-testamento seja um aviso a um sucessor com eventuais inclinações reformistas. Hu, uma figura com escassa luz própria na era da liderança colegiada pós-Deng e pós-Jiang Zemin (1989-2002), limitou-se a glosar o último relatório quinquenal do PCC que dita a "linha justa" para o futuro próximo. Nem se devem tirar grandes conclusões do fato de Hu não ter dito, afinal, que a China "jamais copiará o sistema político ocidental", como constava do texto distribuído à imprensa. Nem mesmo as suas palavras alarmantes sobre os efeitos potenciais do fracasso do combate à corrupção no governo - "o colapso do partido e a queda do Estado" - prefiguram o advento de um novo tempo de prestação de contas dos colossais negócios públicos chineses.
A corrupção, efetivamente, é indissociável do dia a dia do aparato governamental - perto da China, o Brasil é uma Noruega -, a ponto de se tornar a principal queixa da população, a julgar pelo que corre nas redes sociais do país, apesar da estrita vigilância oficial. Até na cúpula do sistema não falta quem leve ao pé da letra a famosa exortação de Deng para despertar a iniciativa privada chinesa: "Enriquecer-se é glorioso!". O caso mais notório do ano é o do primeiro-ministro Wen Jiabao (a ser substituído por Li Keqiang), cuja família teria acumulado uma fortuna de US$ 2,7 bilhões, conforme revelou o New York Times, decerto seguindo pistas fornecidas por inimigos do premiê no governo. Também por corrupção, ainda por cima misturada ao assassínio de um dublê de homem de negócios e agente inglês, apagou-se a mais luzidia estrela em ascensão no PCC, Bo Xilai, então governador da próspera região de Dalian.
Os dirigentes chineses são visceralmente pragmáticos. Não foi por ética revolucionária que Hu atacou a lambança nas altas esferas, mas porque ela se tornou disfuncional para o seu equilíbrio interno, um desafio ao controle do partido sobre o aparelho do Estado e uma fonte de deslegitimação do regime. Se há uma coisa que a plutocracia política chinesa não esquece foi no que deram na União Soviética a transparência (glasnost) e a reestruturação (perestroika) de Mikhail Gorbachev.
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