sábado, novembro 17, 2012

Convite à hipocrisia - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 17/11


SÃO PAULO - Sei que, oficialmente, o general David Petraeus renunciou ao cargo de diretor da CIA após admitir um "affair" porque os serviços de segurança consideram todo tipo de relação extraconjugal um risco à segurança. Desconfio, porém, que o puritanismo dos americanos foi um fator mais decisivo do que estão dispostos a admitir.

Para começar, será que o fato de ter um caso torna realmente o funcionário com acesso a dados sigilosos um perigo maior do que o agente secreto casto? Tenho minhas dúvidas. Até dá para admitir que, nos anos 50, a revelação de que o sujeito tinha uma amante ou, pior, um amante destruiria sua vida, o que efetivamente o tornava um alvo preferencial de chantagens. Mas, de lá para cá, esse tipo de informação, se não se tornou trivial, perdeu muito do caráter bombástico. Nos EUA, contudo, mais do que em qualquer outro lugar do Ocidente, escândalos sexuais fazem a ruína de políticos.

É estranha a relação do país com a sexualidade. Para começar, a prostituição, admitida como atividade profissional regular na maior parte das nações civilizadas, é proibida em 49 dos 50 Estados. A exceção é Nevada. Rhode Island admitia a prática até 2009, quando virou crime.

E há mais. Até 2003, quando a Suprema Corte decidiu pela inconstitucionalidade das "sodomy laws" (leis de sodomia), vários Estados vedavam não apenas o homossexualismo como também sexo anal e oral mesmo entre marido e mulher. Em Idaho, fazer sexo "contra a natureza" podia render prisão perpétua.

O que chama a atenção aqui é o contraste entre essas disposições e a cultura de liberdades individuais que sempre caracterizou o país. Não é que os EUA não tenham experimentado a revolução dos costumes que teve lugar a partir dos anos 60, mas, por algum motivo, ela passou longe dos legisladores. Esse descompasso entre leis e realidade acaba sendo um convite à hipocrisia.

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