sexta-feira, novembro 30, 2012

Atenção para as contas externas - MARIA CLARA R. M. DO PRADO


Valor Econômico - 30/11


O Brasil poderia pagar hoje, se quisesse, toda a dívida externa registrada no Banco Central (BC) no valor de US$ 308,5 bilhões com os recursos das reservas internacionais que somaram US$ 377,8 bilhões, na posição de outubro, e ainda sobraria dinheiro. Sem dúvida, esse é um bom indicador da situação externa do país. Não é, no entanto, suficiente para assegurar tranquilidade nos meses vindouros.

Pode-se dizer que em matéria de estoque - aquilo que se tem disponível de imediato para enfrentar eventuais transtornos cambiais - o quadro atual não requer maiores preocupações. Mas estoque é o saldo em reserva observado em determinado momento do tempo. Relevante é o fluxo, ou seja, o comportamento de entradas e saídas de moeda estrangeira do país, pois dele dependerá o acúmulo ou a queda das reservas internacionais em estoque.

E é justamente no âmbito dos fluxos que as contas externas do país estão a merecer atenção redobrada. Os dados do balanço de pagamentos do país referentes à evolução mensal deste ano, acumulados até outubro, acusam uma acentuada queda na entrada dos recursos externos que alimentam a conta de capital. Esta é a parte do balanço de pagamentos que trata do dinheiro de mais longo prazo, como investimentos e empréstimos. A outra parte é chamada de conta corrente. Nela se registram os fluxos mais imediatos de entradas e saídas como pagamentos de exportação e importação, remessa de lucros e dividendos, despesas como royalties, entre outras. Um país com consumo interno em expansão, seja público ou privado, como é o caso do Brasil, tende a apresentar déficit na conta corrente. Depende de produzir superávit na conta de capital para não ter de recorrer ao estoque das reservas internacionais ou a fontes externas, na ausência daquelas - como ocorreu no passado - para fechar as contas em equilíbrio.

Estoque é o saldo em reserva observado em determinado momento do tempo. Relevante é o fluxo.

Nota-se nos dados divulgados pelo Banco Central que a conta corrente tem mantido neste ano comportamento muito parecido com o de 2011. Até outubro deste ano, o déficit acumulado foi de US$ 39,5 bilhões com projeção de chegar a US$ 53 bilhões em 12 meses, no final de 2012. Valor praticamente igual ao de 2011, quando o déficit em conta corrente chegou a US$ 52,480 bilhões.

Os números da conta de capital, porém, não acompanharam a evolução do ano passado. Em verdade, acusam uma defasagem ao redor de 30% a 40%. O fluxo naquela conta teve este ano uma queda de mais de um terço, ou 36,4%, quando comparado a 2011. O que era até outubro do ano passado US$ 97, 5 bilhões virou US$ 62 bilhões este ano. A projeção do BC aponta para fluxo de US$ 75,7 bilhões acumulado na ponta de 2012, muito abaixo dos US$ 112 bilhões registrados ao final do ano passado naquela conta. A relação entre a conta de capital e a conta-corrente caiu de 2,5 para 1,5.

Um olhar mais detalhado facilmente detecta que a deterioração na conta de capital não se originou no fluxo do investimento direto estrangeiro (IDE). De fato, os valores do IDE mantém-se no nível de 2011. Até outubro, entraram por aquela via US$ 55,3 bilhões com projeção de chegar a US$ 60 bilhões no acumulado do ano. Muito próximo, portanto, dos dados de 2011, com US$ 66 bilhões de investimento direto. Alguns analistas acreditam que a piora da economia na Europa e a relutância dos Estados Unidos em retomar um crescimento mais robusto explicam o relativamente alto volume de ingressos de IDE no Brasil quando comparado com anos anteriores, mesmo a despeito do valor não ter aumentado nos dois últimos anos. Os investidores estariam atrás de mercado e buscariam internamente as oportunidades que se tornaram escassas em seus países de origem.

Esta análise merece uma reflexão maior. Quando se olha para as demais contas de capital percebe-se uma significativa queda dos recursos captados pela modalidade de empréstimo, seja direto ou por meio da venda de títulos. Para se ter uma ideia dos grandes números daquela modalidade, observa-se que, de janeiro a outubro deste ano em comparação a igual período de 2011, a captação de recursos por meio de títulos privados atingiu US$ 9,8 bilhões, menos da metade dos US$ 21,750 bilhões do ano passado, até outubro. A projeção para o fim deste ano não passa de US$ 10,5 bilhões, em comparação com US$ 25,4 bilhões na posição do final do ano passado.

Com relação aos empréstimos diretos, obtidos junto a instituições financeiras, o fluxo caiu de US$ 32,2 bilhões em 2011, até outubro, para US$ 18,8 bilhões no mesmo período deste ano. No acumulado em todo o ano de 2012, a estimativa aponta o valor de US$ 20,4 bilhões, algo como 40% a menos do que no ano passado. Também na rubrica demais empréstimos (que engloba dinheiro de agências, organismos multilaterais e outros) a situação piorou: apenas US$ 7,9 bilhões entraram este ano, até outubro, 50% menos do que o mesmo período de 2011.

A queda na captação de empréstimos no exterior é a mais clara evidência de que o Brasil não está imune aos efeitos da crise internacional. A perdurar a grave situação da economia no mundo, o país caminhará para números cada vez mais apertados nas contas externas. Se não quiser gastar as reservas internacionais para cobrir futuras defasagens entre os gastos da conta corrente e o ingresso líquido na conta de capital, só restará como alternativa ao governo a redução do consumo interno, do setor público e do setor privado.

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