segunda-feira, outubro 01, 2012
Uma estranha e perigosa política - GUSTAVO LOYOLA
Valor Econômico - 01/10
Em diversas declarações nas duas últimas semanas, autoridades do Ministério da Fazenda desnudaram aspectos da atual política econômica que fazem soar alarmes sobre a manutenção da estabilidade monetária e do crescimento sustentado nos próximos anos. Em particular, o ministro Mantega deixou explícita a migração para um regime administrado de taxas de câmbio, assim como constrangeu o Banco Central (BC) com afirmações sobre a trajetória futura das taxas de juros. Na mesma toada, divulgou-se a retomada da maquiagem das contas públicas, por meio do resgate antecipado de títulos públicos em poder dos bancos federais para viabilizar pagamento de dividendos ao Tesouro e consequente geração de resultado primário.
Muito embora os riscos inflacionários no curto prazo sejam relativamente baixos por razões conjunturais, a combinação persistente de uma política de câmbio administrado com a ausência de autonomia do Banco Central na execução da política monetária pode conduzir, no médio prazo, a uma situação de risco para a estabilidade, notadamente se confirmada a tendência de redução do superávit primário (não maquiado) nos próximos anos. Se assim ocorrer, o potencial de crescimento da economia ficaria gravemente comprometido nos próximos anos.
O que se observa é a obsessiva desconstrução da receita de política macroeconômica que vinha até aqui dando bons resultados em termos de crescimento econômico e de controle inflacionário. Não se negava a necessidade de avançar em vários aspectos da política macroeconômica, como no caso das elevadas taxas reais de juros do Brasil quando comparadas com as vigentes no resto do mundo. Igualmente, a situação difícil da indústria brasileira em termos de competitividade merecia políticas governamentais específicas. Contudo, o desmonte gradual do "tripé" macroeconômico - regime de metas para a inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal - não pode ser caracterizado como avanço, ainda que possa agradar certos grupos de pressão próximos ao governo.
Desmonte gradual do tripé macroeconômico não pode ser um avanço, ainda que agrade certos grupos de pressão
Uma particular preocupação, agravada nas últimas semanas, se refere às políticas fiscal e creditícia do governo federal. Como se sabe, no ano passado, o governo obteve um bom resultado fiscal primário, acima dos 3% do PIB, revertendo trajetória de deterioração observada no final do governo Lula. Porém, neste ano e em 2013, a perspectiva é de redução do superávit, principalmente tendo em conta a queda no crescimento da arrecadação, pelo menor ritmo da atividade e pelas desonerações que vêm sendo promovidas pelo governo. Mais grave ainda é a volta da maquiagem das contas públicas, por meio do acionamento da "máquina de inchar superávit primário" que é o moto perpétuo da capitalização dos bancos públicos (notadamente o BNDES) via emissão de dívida pública e da simultânea distribuição de dividendos para o Tesouro.
Especificamente com relação aos bancos federais, e além das implicações fiscais, há o risco de que sua utilização excessiva para turbinar a demanda agregada pelo aumento do crédito possa gerar consequências negativas não apenas no balanço dessas instituições, mas também na estabilidade do sistema financeiro. Com efeito, há uma contradição fundamental entre a política prudencial do BC - adotada em linha com Basileia 3 - de aumento das necessidades de capital das instituições bancárias para evitar sua excessiva alavancagem, com o fornecimento ilimitado de capital pelo Tesouro aos bancos sob seu controle a custo próximo de zero. No longo prazo, essa competição desleal por capital entre os bancos públicos e privados gera incentivos perversos sob o prisma da estabilidade financeira, no que pode ser um verdadeiro tiro no pé em termos de crescimento sustentado.
Por outro lado, a mutação da política cambial em um regime de taxas administradas de facto trouxe implicações não triviais sobre a política monetária, principalmente porque está associada à "flexibilização" do regime de metas para inflação e à crescente interferência do ministério da Fazenda - pelo menos no plano verbal - na autonomia que o BC deve ter na condução da política monetária. O regime de metas para inflação pressupõe a existência de autonomia operacional do BC e a "ritualização" do processo decisório sobre a taxa de juros. Além disso, tal regime é incompatível com a fixação da taxa de câmbio, já que não pode o BC ter duplo mandato. Desse modo, a situação atual traz incertezas nos agentes econômicos sobre o grau de comprometimento do BC com a meta de 4,5%, o que se reflete, aliás, nas expectativas capturadas pela pesquisa Focus, que antecipam uma variação do IPCA acima de 5% em 2012 e também nos próximos dois anos.
Por enquanto, os prejuízos dessa "nova" política macroeconômica são pouco perceptíveis. Além disso, há certa opacidade nessas mudanças, em virtude do próprio ambiente excepcional vivido pelas economias desenvolvidas que, para alguns, perdoa quaisquer pecados cometidos abaixo da linha do Equador. Contudo, está semeada a dúvida sobre qual será a reação do governo, caso a inflação volte a se acelerar no futuro.
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