domingo, outubro 21, 2012

Um novo tripé - AMIR KHAIR


O ESTADÃO - 21/10
O que caracterizou a política econômica durante o segundo mandato do governo FHC (1999/2002) foi o denominado tripé: meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. O que foi saudado, equivocadamente, por algumas análises, como acerto na política econômica do governo Lula (2003/2010) foi a manutenção deste tripé. O que vem sendo tratado em várias análises nestes 22 meses de governo Dilma é se essa política do tripé foi abandonada.

Parece-me claro que foi dado adeus ao tripé original e, desde o início deste ano, passou- se a ter um novo tripé:meta de crescimento, resultado fiscal e câmbio administrado.

As análises que defendem o tripé original argumentam que ele assegura a inflação sob controle e finanças públicas e contas externas em equilíbrio. O crescimento, ora o crescimento, é consequência.

Vamos analisar esses argumentos, quanto aos objetivos pretendidos.

Inflação. Meta de inflação é necessária, mas não suficiente. Necessária, pois dá um balizamento aos agentes econômicos quanto ao comportamento previsto para a evolução dos preços. Insuficiente, pois os agentes, se puderem, costumam fazer a correção dos preços olhando pelo retrovisor, ou seja,a inflação passada e, mais insuficiente ainda, pois os condicionantes da inflação pouco dependem da política econômica. Esses condicionantes são os preços internacionais, preços dos serviços e preços monitorados pelo governo(federal, estadual e municipal).

Estatisticamente, pelos dados dos últimos 17 anos, cerca de 60% da inflação depende dos preços dos produtos comercializáveis, que são os que sofrem a concorrência externa, com destaque para as commodities.O preço dos serviços condicionam cerca de 25% da inflação,eos preços monitorados, 15%.

Neste ano, a influência na inflação mundial se deu pela seca nos Estados Unidos,que encareceu os alimentos. Até setembro, a inflação atingiu 3,77% e a dos alimentos,6,44%.Cerca da metade da inflação neste ano, segundo algumas análises, virá dos alimentos. Nem a meta nem o governo podem alterar isso.

Os serviços ficaram abaixo da inflação de 1999 a 2004 e, a partir de 2005, ficaram acima, provavelmente pela demanda maior que a oferta. Para conter a inflação de serviços, só com maior arrocho na economia para gerar desemprego, o que não constitui objetivo deste governo, que luta para conseguir retomar o ritmo de crescimento que vigorou de 2004 a 2008 (4,8% ao ano). Vale notar que algumas análises argumentam que a inflação virá, pois os salários estão sendo corrigidos acima da inflação em razão do baixo nível de desemprego. Será que pregam ampliar o desemprego para conter o mal da inflação? Não creio. Os preços monitorados (energia elétrica, telefone, combustíveis, água e esgoto, passagens de ônibus, etc), de 1995 até 2006, foram corrigidos acima da inflação e, após 2006, têm contribuído para reduzir a inflação. Exemplo disso é o não reajuste dos combustíveis da Petrobrás por nove anos - um erro, pois está enfraquecendo a principal empresa do País, quando o governo deveria fazer o contrário.

Assim, pode-se fixar meta de inflação, mas a ação do governo federal é apenas sobre parte dos 15% que influenciam os preços monitorados e, assim mesmo, em larga escala, dependerá das agências reguladoras, sujeitas a poderosos lobbies das concessionárias de serviços públicos.

Vale sempre repetir: quanto mais baixa a Selic, maior o estímulo ao investimento privado; portanto, na ampliação futura da oferta, melhor antídoto contra a inflação. Por isso, parar em 7,25% atenta contra os objetivos do governo de estímulo ao investimento, de crescimento, de combate à inflação e na saúde das contas públicas.

Finanças públicas. O uso do superávit primário (diferença entre as receitas e despesas, exclusive financeiras) para a saúde das finanças públicas é inadequado, pois olha só um lado da moeda. O outro, as despesas com juros, não é considerado neste conceito, que é tanto mais inadequado quanto maior o peso dos juros nas contas públicas. Por exemplo: em 2003, o superávit primário foi de 3,3% do PIB e o déficit,de 5,2% do PIB.Em 2009, o superávit primário foi 2% do PIB e o déficit, 3,3% do PIB. O que marcou isso foi a despesa com juros,que foi de 8,5% do PIB em 2003 e de 5,3% em 2009.

Felizmente, o descarte do resultado primário começou a ser feito pelo governo e por número crescente de análises sobre contas públicas.

Câmbio flutuante.

É das pernas do tripé a que foi rifada há vários anos.O enterro definitivo ocorreu em todos os países após a crise de 2008, quando o Fed (banco central americano), o Banco Central Europeu e os bancos centrais da Inglaterra e Japão injetaram na economia algo equivalente a US$ 10 trilhões. Isso ocorreu e continua para salvar os sistemas bancários desses países e permitir a desvalorização de suas moedas para estimular as exportações.

Em resposta a essa avalanche de liquidez, há de desvalorizar o real para devolver às empresas a competitividade que lhes foi subtraída com a valorização do real. O Brasil tornou-se um país caro até na comparação com os países desenvolvidos. Não é que o preço externo tenha baixado tanto que ficou mais barato comprar fora.É que o preço do nosso produto ficou mais caro com a valorização da moeda.Tenho repetido em artigos que o câmbio que permite o equilíbrio das contas externas é pouco acima de R$ 3. Assim, é necessário desvalorizar o real injetando liquidez na economia e,para isso,só via câmbio administrado.

Meta de crescimento. Se pouco pode fazer o governo para alterar a inflação, que não depende mais da Selic, muito tem a ser feito em favor do crescimento econômico. O mais importante é retirar as travas do crescimento: juros bancários elevados e carga tributária alta sobre o consumo.

É necessário continuar a pressão sobre os bancos privados para reduzir o pouco que fizeram para reduzir os juros.O caminho é continuar a redução da Selic até 5% (média dos países emergentes) e tabelar, reduzindo as tarifas bancárias. Com isso reduz-se duas importantes fontes de lucro bancário, induzindo-os à concorrência nos empréstimos.

Para diminuir a carga tributária sobre o consumo, não é simplificando o ICMS estadual, mas sim reduzindo suas elevadas alíquotas. Com isso, os preços caem, favorecendo o combate à inflação, a melhor distribuição do ônus tributário que pesa sobre as pessoas e a maior competitividade para as empresas.O crescimento econômico gerado compensa os Estados da aparente perda com a redução de alíquotas.

O velho tripé garantiu polpudos e fáceis lucros aos bancos. Que o novo,em conjunto com outras políticas, especialmente as voltadas para uma melhor distribuição de renda, ajude a impulsionar o desenvolvimento econômico. Vale acompanhar.

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