sexta-feira, outubro 05, 2012

São Paulo não é uma ilha - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 05/10


Principal colégio eleitoral, maior orçamento municipal, capital financeira e berço dos dois principais polos da política nacional, é natural que São Paulo seja o centro das atenções nesta campanha.

O foco restrito à cidade, no entanto, não explica o que está em jogo na disputa pelas outras 5.567 prefeituras. Desavisados do que se passa no entorno, os paulistanos nunca entenderão o resultado de suas próprias urnas.

O azarão da disputa, Celso Russomanno, tem sido associado ao obscurantismo. Como o eleitor nada sabe, se deixa manipular por um enganador.

Voto indicará projeto coletivo ou individual de mudança?

Mas não é a fé pentecostal que explica a ignorância, mas a falta de informação. Bastou alguém explicar ao eleitor que Russomanno propõe-se a cobrar tarifa de ônibus mais cara de quem mora mais longe que o candidato começou a desidratar.

Para entender se a perda de votos será suficiente para tirá-lo do primeiro turno, uma olhada no entorno mostra que não se trata de fenômeno paulistano.

No pano de fundo da campanha, o discurso que criminaliza a política vai de Edir Macedo à alta magistratura. Ao esquema petista escancarado no banco dos réus, soma-se o mensalão do PCC, restrito às páginas da 'Folha de S.Paulo' e ao cotidiano da periferia da capital.

Os exemplos mais eloquentes de que a São Paulo de Russomanno não é uma ilha são os favoritos em Curitiba e Campo Grande. Ratinho Jr. quebrou uma polarização de duas décadas da política paranaense, entre Jaime Lerner e Roberto Requião.

Fez carreira numa família de comunicadores e, assim como seu congênere paulistano, também exerceu vários mandatos parlamentares antes de se aventurar na disputa majoritária na capital.

Nada de braçada entre os evangélicos, promete câmeras de vigilância nas ruas e creches à noite para que os pais que trabalham de dia possam estudar. Não quer que sua mulher exerça função na prefeitura para cuidar dos três filhos. Vende-se como novidade.

Em Campo Grande, o candidato que chegou para quebrar a polarização entre PT e PMDB, veio do mesmo PP por onde passou Russomanno e disse ao repórter Guilherme Soares Dias (Valor, 28/09/2012) que ambos compartilham visão de mundo: "Somos dois radialistas que entramos na política por uma questão de justiça".

Não poderia haver candidato mais antenado com a eleição do mensalão. Enquanto o Judiciário faz política, os políticos prometem fazer justiça. O justiceiro de Campo Grande virou notícia mundial por ter provocado a detenção do diretor do Google que não retirou do ar vídeos que considerou ofensivos a sua honra.

Os comunicadores da hora tiveram em Micarla de Souza, prefeita de Natal, uma precursora. Apresentadora de TV e herdeira de um grupo de comunicação, Micarla ganhou a eleição em 2008 pelo PV contra as máquinas federal, estadual e municipal. Prometeu renovar a política no Estado que tem a política mais oligarquizada do país, mas loteou o governo de gente de televisão sem conhecimento da máquina pública e chegou ao final do mandato com a maior rejeição entre os prefeitos de capital.

Mas esta campanha não é feita apenas de comunicadores desvinculados de máquinas partidárias. Rio, BH e Porto Alegre dão folgadas dianteiras a prefeitos candidatos à reeleição bem avaliados, ainda que a oposição dê sinais de vida, alguns eloquentes, em suas capitais.

É a avaliação que se faz das atuais administrações que continua a ser o principal balizador do voto. Em alguns lugares, como em São Paulo, a rejeição ao prefeito é tamanha que o discurso do novo alimentou um candidato como Russomanno. Mas em outras cidades foram as máquinas partidárias bem azeitadas que capitalizaram essa rejeição.

No Recife, o favorito é candidato do popularíssimo governador, mas até Eduardo Campos chega à reta final da campanha acossado pelo discurso do novo. Na capital que deu mais de 30% dos votos a Marina em 2010 e onde o PT cavou sua própria cova numa escolha atabalhoada de candidato a sucessão, é um tucano que usa chinelo de dedo e militou no PV a única ameaça a uma vitória no primeiro turno de Geraldo Julio (PSB).

O discurso do novo caiu no colo da direita. Basta ver de onde vêm Russomanno (PRB), Bernal (PP) e Ratinho (PSC). Onde a esquerda, em sua versão mais radical, tem chances de ganhar não é um candidato novo que se apresenta mas um ex-prefeito. É o caso de Belém, onde o PSOL deve fazer de um ex-petista o primeiro prefeito de sua história.

Edmilson Rodrigues confronta a noção de que é a promessa de satisfação imediata que dá as cartas em todo o território nacional. Minoritário em sua aliança, o candidato do PSOL promete radicalizar o orçamento participativo levando a população da periferia a lotar a Câmara Municipal em votações importantes.

Esta disputa ruma para uma taxa de reeleição mais baixa do que a de 2008. Naquele ano, a crise mundial ainda estava fora das milhas territoriais do país. Os atuais prefeitos conviveram com taxas mais baixas de crescimento da economia que afetaram seus investimentos.

Esta é a primeira eleição municipal depois de década de mudanças na metade inferior da pirâmide social. Nas famílias chefiadas por analfabetos a renda cresceu 88% e naquelas encabeçadas por quem tem mais de 12 anos de estudo caiu 11%. A renda de pretos e pardos aumentou 66% e 85%, respectivamente, enquanto a dos brancos, cresceu 47%. A do Nordeste cresceu 72% enquanto a do Sudeste, cresceu 45%.

Houve ganho de renda, mas este já foi corroído pela prestação da TV de plasma e do carro e pela conta do celular. Quando sai de casa este cidadão não consegue se locomover nem encontra creche para seu filho.

A diminuição das desigualdades, que ainda não afetou quem tem ganhos de capital, aumentou a massa de cidadãos que pode pagar um bilhete de ônibus e que deixa de morrer na indigência para procurar o atendimento público de saúde. O que parece incomodar essa nova classe média de que tanto se fala é que se os serviços públicos municipais já eram ruins, com o aumento de usuários ficaram ainda piores.

É natural que o eleitor queira mudar. As urnas de domingo vão mostrar se essa mudança indica algum projeto coletivo ou vai regar a horta do individualismo.

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