quarta-feira, outubro 10, 2012
Lula, maior vencedor e maior perdedor do pleito - JOSÉ NEUMANNE
FOLHA DE SP - 10/10
Nunca antes na História deste país aconteceu o que se registrou nesta eleição municipal de domingo: um protagonista absoluto que nem sequer foi candidato e saiu das urnas como o grande vencedor. Mas pode vir a ser o maior perdedor, a depender do que ocorrer em São Paulo daqui a três domingos, no segundo turno. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu o que muitos, inclusive de sua grei, consideravam impossível: levou aos trambolhões o jejuno ex-ministro da Educação Fernando Haddad à disputa final contra o conhecido e experiente adversário tucano, José Serra. Se Haddad ganhar em 28 de outubro, a oposição será desalojada de seu penúltimo bastião de poder relevante, a Prefeitura de São Paulo, o que pode dificultar a reeleição de Geraldo Alckmin para o governo do Estado em 2014. Se perder, será retirado de Lula o condão de fazedor de reis.
Do êxito da "tucanada" desunida dependerá o futuro imediato do outro grande vencedor do primeiro turno dos pleitos municipais: o neto de Miguel Arrais, governador de Pernambuco e presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Eduardo Campos, aliado federal de Lula e seu desafeto vitorioso em duas praças importantes. Pois o triunfo do petista em São Paulo poderá tirar das costas do padim Ciço de Caetés o peso representado pelos erros sesquipedais que ele e seus seguidores cometeram no Recife e em Belo Horizonte por soberba e ignorância. O que o eleitor paulistano decidirá é um mistério incapaz de ser constatado pelos institutos de pesquisa, conforme foi revelado na disputa deste domingo. Nunca antes houve divórcio tão grande entre pesquisas de intenção espontânea e por indução quanto na reta final da semana passada em São Paulo: dos eleitores entrevistados, quase 40% não tinham um nome para enunciar e terminaram queimando a língua das pesquisas. Os números recordistas de abstenção e de votos nulos e em branco superaram o total dos dados a Serra. Somados aí os votos dos candidatos retirados do pleito, os dois ponteiros tiveram 1,3 milhão de sufrágios menos.
Serra ficou com o tradicional terço do reduto do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), assim como Haddad se aproximou do terço do Partido dos Trabalhadores (PT), restando-lhes agora a árdua missão de convencer mais da metade do maior eleitorado municipal brasileiro a desalojar o adversário do posto cobiçado. Sim, porque mais do que nunca em São Paulo será escolhido o menos rejeitado, restando ao vencedor a glória do poder e também a tarefa de descascar as batatas que lhe cabem de tal forma a superar a barreira óbvia da desaprovação aos estilos de gestão e política adotados recentemente pelo partido no governo e pelo principal polo de oposição na União, nos Estados e municípios.
Numa óbvia demonstração de que o que lhe sobra em sorte falta em juízo e conhecimento de causa sobre o Estado onde nasceu, Lula patrocinou uma bobagem sem tamanho que jogou por terra anos de boa gestão administrativa e proveitosa parceria com o governador na prefeitura do Recife. O bem avaliado prefeito João da Costa ganhou a convenção do PT e foi impedido de disputar o cargo por uma intervenção brutal e pouco astuta dos dirigentes nacionais de seu partido. Do topo do recorde de preferência no Estado, o governador pernambucano simpatizava com a candidatura do deputado Maurício Rands, também retirada da disputa por decisão vinda do alto. Rands saiu do PT e Campos partiu para voo solo tirando do bolso do colete um candidato ainda mais jejuno do que Haddad em São Paulo, seu ex-secretário de Planejamento Geraldo Julio. Este venceu no primeiro turno e tudo indica que o aliado socialista livrou o PT de uma evidência vexaminosa: o candidato imposto por Lula, o ex-ministro Humberto Costa, também foi superado pelo poste tucano Daniel Coelho. O terceiro lugar do petista reafirmou a rebeldia do Recife, que o presidente nacional petista, Rui Falcão, cobrará do diretório municipal. Uau!
A vitória dos aliados PSB em Belo Horizonte e Partido Democrático Trabalhista (PDT) em Porto Alegre logo no primeiro turno ocultou uma constatação exata do tamanho dos desastres petistas em praças que dominava sem sustos na companhia de aliados. Adão Villaverde foi o primeiro candidato do partido da presidente Dilma Rousseff, que votou não se sabe em quem na capital gaúcha, a não disputar o turno decisivo do pleito. Mas este não haverá e, por isso, o fato histórico pode passar ao largo. Em Belo Horizonte a disputa dual não levaria a segundo turno mesmo, mas a presidente quis se aproveitar da condição de mineira para tirar da frente um tucano forte para enfrentá-la na eleição, Aécio Neves, que apoiava, juntamente com o PT, o prefeito Marcio Lacerda. Com gestão aprovada e a força tucana no Estado, o candidato do partido de Campos, e mais uma vez Campos, não tomou conhecimento do favorito da chefona, Patrus Ananias. Também é o caso de Lula e Dilma comemorarem a óbvia transformação da campanha em carne de vaca em 28 de outubro, quando os olhos da Nação só estarão voltados para São Paulo.
Eleições municipais não costumam alterar o panorama das estaduais e da federal, de dois anos depois. A trágica realidade da oposição, et pour cause da democracia no Brasil, é que, mesmo quando perdeu, o PT foi vencido por aliados. Principalmente Campos. E o PDT, ao qual não faz muito tempo a presidente era filiada. A maior vitória oposicionista foi do governista Marcio Lacerda. Resta Serra, que enfrentará uma rejeição monumental, a avaliação negativa do aliado Kassab e a invejosa indiferença dos companheiros de partido para garantir um local de onde alguma dissidência possa levantar a voz contra o aniquilante poder das bancadas de apoio ao governo federal. Se Serra vencer, os tucanos ficarão na trincheira, no aguardo do embate de daqui a dois anos pelo maior Estado da Federação. Se Haddad vencer, Dilma só poderá ser derrotada pela economia e Campos esperará a vez chegar à sombra e água fresca do poder.
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