CORREIO BRAZILIENSE - 13/10
“Quem não sofreu a servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode conceber o que são” Gabriel García Márquez, escritor colombiano
Um texto de Gabriel García Márquez trata o jornalismo como a melhor profissão do mundo. O manifesto — sim, é do que se trata — tornou-se um clássico entre os iniciados, mesmo que seja improvável algum rascunho do colombiano não ser considerado “um clássico” neste momento da vida. A carta é lida e relida nas faculdades e exaltada por quem ainda guarda entusiasmo pelo ofício de contar boas histórias. O artigo, ou pelo menos parte dele, deveria estar afixado na mesa de trabalho dos repórteres. Muitos, entretanto, o guardam na memória e são capazes de recitar alguns pedaços.
Um dos trechos do documento diz mais ou menos o seguinte: quem se aborrece em falar sobre reportagens até pode acreditar ser jornalista, mas não o é. Repórteres de verdade são quase monotemáticos, discutem apuração, comparam matérias, se desesperam quando levam um furo da concorrência, antes mesmo de serem cobrados pelo chefe. Iniciado ontem, em São Paulo, um encontro propõe o debate durante cinco dias.
O evento é o 68º promovido pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Mais do que uma discussão sobre modelos sustentáveis de negócios — a agenda tem partes empresariais, evidentemente — o encontro discutirá a importância dos jornais para a sociedade. Entre os palestrantes, a presidente Dilma Rousseff, até a noite de quinta-feira ainda sem confirmação pelo Palácio do Planalto, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, além do ex-presidente do Peru Alan Garcia e representantes de entidades de direitos humanos. Ali, os maiores veículos de comunicação terão representantes – incluindo este Correio.
O encontro de jornalistas ocorre em meio a ataques de políticos e autoridades à imprensa. O caso mais recente é o dos mensaleiros, que, depois e mesmo antes de condenados, escolheram a mídia como uma das responsáveis pelo desfecho do julgamento. Os argumentos são fracos, por mais que defensores dos petistas considerados culpados possam considerar injusto o processo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não estou aqui a analisar quem deveria ou não ser condenado, por mais que a opinião fosse legítima, como pode ser a de qualquer um, sem diferença de credo ou cor partidária.
Poucos minutos depois de ser condenado pela maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), naquela tarde de terça-feira, o ex-ministro José Dirceu publicou uma nota no blog. Ainda pela manhã havia uma expectativa positiva — pelo menos entre os aliados do petista — de que o homem respondesse em alto estilo à condenação, por mais que algo já não adiantasse muito, considerando o respeito pelos prazos de defesa, por exemplo. O texto publicado, entretanto, foi um tanto vago, pelo menos na parte das críticas à imprensa. Apesar de simbólico, por conta do resultado, pouco ou nada acrescentou.
Aos fatos, ou melhor, às linhas de Dirceu. O ex-ministro cita a mídia e imprensa duas vezes. Na primeira, diz ter havido uma ação orquestrada pelos que se opõem ao PT que o transformou em inimigo número um. E diz que o acusam, diariamente pela mídia, de corrupto e chefe de quadrilha. Aqui, o argumento é razoável, afinal, como um dos homens mais poderosos do país na época do governo Lula, Dirceu foi citado em artigos e declarações dos maiores jornais do país. Foi, portanto, atacado e defendido, por mais que se diga mais atacado. É a teoria do escândalo político, quanto mais evidência, mais combustão.
O outro momento do texto faço questão de citar entre aspas. “Hoje, a Suprema Corte do meu país, sob forte pressão da imprensa, me condena como corruptor, contrário ao que dizem os autos, que clamam por justiça e registram, para sempre, a ausência de provas e a minha inocência.” A generalidade aqui surpreende. Questionar a ausência de provas e clamar pela própria inocência são argumentos legítimos. Não apenas Dirceu fez isso, mas também articulistas e jornalistas da chamada “grande imprensa”. Aliás, tal discussão ainda está aberta, com gente qualificada em lados opostos.
Outra coisa, porém, é atribuir à imprensa pressão suficiente para convencer oito ministros — parte indicada por Lula e Dilma — a condená-lo. Isso é desmerecer a própria Corte ou marcar posição para a plateia, sem estabelecer elementos ao debate. O mesmo poderia ser dito sobre os ataques nas redes contra o ministro Joaquim Barbosa e a suposta perseguição a petistas. Ao afirmar ao jornal Folha de S.Paulo que votou em Lula e em Dilma, Barbosa deu um nó na cabeça dos acusadores, que o acharam com tendências tucanas. Ao escolher um candidato, não se precisa defender todos os aliados em qualquer circunstância, pois.
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