domingo, outubro 28, 2012

Bufões truculentos - LEE SIEGEL


O Estado de S.Paulo - 28/10


Há diferentes tipos de corrupção numa democracia. Nem sempre é um pagamento, um "favor", uma propina pura e simples. Às vezes, o mais insidioso, o mais virulento tipo de corrupção toma a forma de um poderoso bufão. Donald Trump, o maior e mais poderoso bufão dos Estados Unidos, representa uma ameaça maior à democracia americana do que terroristas do Oriente Médio, economia chinesa e ambições nucleares do Irã juntos. Ele é um porco grosso e detestável. Não, me perdoem. Porcos são animais dóceis, inteligentes e trágicos. Trump é um ser grosso e detestável.

Estou pensando na recente tentativa que Trump fez para chamar a atenção, prometendo uma "surpresa de outubro" - uma revelação arrasadora sobre Obama. Depois de vários dias alimentando a curiosidade, em vez de revelação, declarou que se Obama tornasse públicas suas transcrições universitárias e o seu pedido de passaporte, doaria US$ 5 milhões para a instituição de caridade favorita do presidente. Após meses acusando Obama de ocultar ter nascido no estrangeiro - o que o desqualificaria de ser presidente -, Trump agora está revivendo essas acusações na forma de mais um ardil em causa própria. E a mídia está fazendo o melhor que pode para lhe dar um fórum público.

Quem quiser entender como um país que foi levado à beira do abismo por banqueiros escroques está sob risco de eleger um presidente como Mitt Romney, um banqueiro escroque, deve analisar a carreira de Donald Trump. Eis alguém que foi apresentador de um reality show na televisão, The Apprentice, em que repreendia inescrupulosamente potenciais donos de pequenas empresas e em seguida gritava na cara do interlocutor seu veredicto: "Está despedido!" O pronunciamento, mesmo num país onde tantos não têm emprego, nem segurança de emprego, fez dele o empresário mais famoso dos Estados Unidos.

A ironia é que, como empresário, Trump é um absoluto fracasso. Ele já pediu concordata diversas vezes. Construiu três cassinos em Atlantic City, reduzindo os lucros de sua empresa por ter cassinos competindo entre si. Comprou um cavalo de corrida, obrigou-o a correr resfriado, o que levou o pobre animal ter os cascos amputados, e depois ainda se recusou a terminar de pagar o tratamento da criatura mutilada. Seus edifícios mal construídos são rotineiramente criticados e ridicularizados. Trump ajudou a acabar com a efêmera United States Football League ao pagar a jogadores de seu time salários exorbitantes que os outros times não conseguiram acompanhar. Atormentou inquilinos de um edifício cujo terreno ele queria livre, até ser parado pelos tribunais.

Quanto à fortuna de Trump, ela repousa nos US$ 40 milhões que seu pai lhe deixou, que ele tratou de dilapidar em um malfadado projeto após outro. Trump só foi salvo pelo fato de a cidade de Nova York virtualmente ter lhe entregado propriedades com enormes deduções fiscais nos recessivos anos 1970, quando as autoridades municipais estavam ansiosas para receber qualquer um que prometesse renovar a cidade. O fato de herdar as conexões de seu pai no Partido Democrata de Nova York, para o qual Trump contribuiu generosamente, não prejudicou sua habilidade para obter lindos contratinhos.

Donald Trump, que define Obama como um comunista traiçoeiro disposto a socializar a economia americana é, ele próprio, uma criação de forças mais poderosas que qualquer mero governo. Ele nada fez para ganhar a própria fortuna. Não fez nada para ganhar a vida, exceto como bufão, que parece odiar Obama porque Obama é realmente alguém que venceu pelo esforço próprio. E como Trump possui um poder social considerável - os mais comprovados progressistas não resistem a um convite para um banquete de Trump -, ele se beneficia de uma atenção considerável da mídia. A reunião de Romney com Trump em Las Vegas, em maio, que foi uma sutil aceitação das acusações ultrajantes de Trump contra o presidente, deu a Trump uma infusão de legitimidade.

Pode-se mesmo dizer que Trump, que a cada quatro anos insinua que concorrerá à Presidência para depois desmentir, é uma espécie de líder republicano sombra. Sua popularidade é um bom exemplo para explicar a de Romney. O simples fato de pessoas verem Trump como impostor é que o torna simpático aos que, não fosse isso, poderiam invejar sua fortuna. Em vez disso, eles se compadecem dele por suas palhaçadas, e com isso sua intimidante fortuna torna-se quase um fardo. Pobrezinho - é sua fortuna que o faz agir de maneira tão cretina. Romney é produto do mesmo efeito. Quanto mais desastrado ele parece, e mais é cobrado a se explicar por pessoas inteligentes, mais ele parece uma vítima das "elites liberais" pretensiosas. Sua riqueza torna-se o fardo que atrai o desprezo e o sarcasmo elitista liberal. Pobre Mitt!

Isso não significa que muitos americanos não sintam aversão por Trump, e pela mais recente calúnia lançada por ele sobre Obama. Mas ninguém deve se surpreender com o exemplo mais recente de desrespeito de Trump ao presidente. No segundo debate, baseado em perguntas de eleitores selecionados presentes e no qual os dois candidatos ficavam em pé e circulavam pelo espaço, Romney plantou-se a alguns centímetros apenas de Obama, vociferando, repreendendo e agitando o dedo para o presidente. Foi chocante. Ele invadiu o espaço quase sagrado do presidente. Foi como ver alguém empurrando seu pai. Obama fatalmente reagiu. Em vez de se virar para Romney e dizer "Saia da frente. Você está se colocando entre mim e a plateia, entre mim e as pessoas", ele baixou os olhos. Com isso, escancarou a porta para o que claramente se tornou, para muitos, os saborosos e deliciosamente humilhantes poderes de truculentos e bufões.

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