quinta-feira, outubro 11, 2012
As ameaças da Aneel - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 11/10
Cometerá uma violência jurídica a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se, como ameaçou seu diretor-geral, Nelson Hubner, impedir a participação, em futuras licitações, das empresas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica que não aceitarem as condições impostas pelo governo para renovar suas concessões.
A questão da renovação das concessões, que vencem entre 2015 e 2017, se arrastava há anos, por falta de decisão do governo. Finalmente, as condições foram definidas há um mês, com a Medida Provisória (MP) n.º 579, que trata também da redução das tarifas de energia. Embora tenha demorado tanto para decidir, o governo deu às empresas concessionárias prazo curtíssimo, que vence na segunda-feira (15/10), para aceitar ou não as condições. A ameaça do diretor-geral da Aneel destina-se a forçá-las a concordar com elas.
Ao fazer a ameaça, o diretor-geral da Aneel extrapolou suas funções. Compete à agência, além de estabelecer tarifas, atuar para que os contratos em vigor sejam cumpridos de acordo com critérios neles estabelecidos de qualidade, continuidade e segurança, entre outros. À Aneel não foi atribuída, porém, a prerrogativa de cassar o direito de qualquer empresa de participar de licitações públicas se para tanto estiver qualificada.
A atitude do diretor-geral da Aneel, por isso, teve péssima repercussão no setor, já surpreendido pela maneira como as regras foram definidas, sem prévio entendimento, e por sua complexidade. As regras para a renovação envolvem cálculos bilionários de indenizações e amortizações de ativos, com os quais as empresas precisam concordar, e fazer isso em prazo curtíssimo.
A ameaça tornou ainda mais difíceis os entendimentos em torno da controvertida MP 579. "Não vamos trabalhar com ultimato e ameaça de ninguém, seja da Aneel ou do governo", disse o secretário de Energia do Estado de São Paulo, José Aníbal. A concessionária paulista Cesp está vinculada a sua pasta. Ele enfatizou a necessidade de um diálogo amplo sobre esse setor estratégico para a economia nacional.
As declarações de Hubner revelam também desrespeito às atribuições da Aneel e de outras agências reguladoras. Elas não foram criadas para ser instrumentos do governo ou para, pura e simplesmente, executar suas políticas, como tem ocorrido nos últimos anos - e como ficou claro nesse episódio. A elas cabe atuar com isenção entre o poder concedente, no caso a União, as concessionárias e os consumidores.
"Vamos oferecer um valor de tarifa que acreditamos ser viável e que vai garantir uma receita anual para manter e operar as usinas e as linhas", disse Hubner. "Em 2015, nada muda." Estranhamente, porém, o governo quer que as empresas optem às pressas por renovar seus contratos nos termos da MP 579 antes de estabelecer as novas tarifas, que só serão conhecidas em novembro. Há ainda outras lacunas na MP que as empresas têm interesse em discutir, mas o diálogo, ao que tudo indica, está fechado.
O diretor-geral da Aneel afirma ter "absoluta convicção de que não estamos quebrando contratos". Ele aparentemente ignora que contratos não são quebrados apenas por descumprimento de suas cláusulas. Podem sê-lo também pela introdução de novas condições antes do fim do prazo de sua vigência.
Ora, quando o governo encosta as concessionárias na parede, dando-lhes um prazo exíguo para fazer a opção entre aceitar ou não o modelo de concessão que lhes é proposto, introduz uma nova regra nos contratos em vigor. E, a prevalecer a ameaça de que as que não aceitarem aquelas condições poderão ser impedidas de participar de novos leilões, seria imposta uma punição a elas. Isso seria uma arbitrariedade, que, sem dúvida, daria motivo a ações na Justiça.
Na prática, a exclusão dessas empresas geraria distorções nas licitações previstas. Com a ausência de participantes potenciais, a concorrência se estreitaria, o que poderia resultar em prejuízo para o governo e para o consumidor, pois a finalidade do leilão é selecionar a proposta mais vantajosa do ponto de vista da tarifa e da receita que o governo poderia auferir.
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