segunda-feira, outubro 22, 2012

A farra do crédito - PAULO GUEDES


O Globo - 22/10


A farra da moeda e do crédito é tema recorrente na História. Há um século, o termo "inflação" descrevia essa farra, uma excessiva expansão da moeda e do crédito. Não era como hoje, que chamamos de inflação o aumento dos preços de bens e serviços, eventuais sintomas daquela farra. Muito importantes, mas que nem sempre ocorriam.

A estabilidade de preços nos Estados Unidos dos anos 1920 e no Japão dos anos 1980 deu sinais falsos de que tudo estava bem, enquanto prosseguiam as inflações da moeda e do crédito, que desembocaram em crises colossais. A mesma farra ocorre nos EUA de 2002 a 2012. As bolhas em série nas bolsas e nos imóveis foram alimentadas pelas mesmas "inflações", embora estivessem também desligados neste episódio os radares inflacionários.

A explicação é simples. Mera aplicação da Lei de Walras, princípio da Teoria de Equilíbrio Geral, à economia mundial contemporânea. Os radares inflacionários foram desligados pelo mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos nos mercados de trabalho globais. Por isso, sofrem os salários no lado ocidental. E, como derramam sua produção do lado de cá por meio das exportações, impedem também as elevações de preços que resultariam da grande farra. Para onde se deslocam as pressões? Tudo depende de para onde escorre o excesso de liquidez. Há rastros de excessos nas bolsas, no mercado imobiliário e agora pistas ainda frescas de que prosseguem nos mercados de títulos públicos do mundo inteiro.

Chegamos então ao caso brasileiro. Estávamos financeiramente desalavancados e dessincronizados da grande farra contemporânea. Voltávamos da clínica de recuperação, após um porre inflacionário, quando desabou o teto do mundo em 2008-2009. Bebemos pouco e escapamos da quebradeira. Mas desde então escorregamos lentamente em direção aos excessos.

A armadilha da farra global nos ameaça. Percebendo a desaceleração de preços nos mercados globais, nosso Banco Central derrubou os juros até o limite. Prosseguimos também com a vertiginosa expansão do crédito público, alimentada por grandes operações parafiscais, uma inflação de crédito que escapa dos controles orçamentários usuais. O desligamento dos radares inflacionários é uma perigosa miragem, pois nunca foi garantia de que tudo vai bem.

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