segunda-feira, setembro 10, 2012
Unanimidade necessária - ROGÉRIO AMATO
Valor Econômico - 10/09
Quando Nelson Rodrigues, jornalista, escritor e grande frasista afirmava "que toda a unanimidade é burra", referia-se a opiniões sobre política, ideologia, religião ou futebol, no qual as paixões, no geral, predominam sobre a razão.
Irreverente e passional, o autor de grandes peças de teatro, como "Vestido de Noiva", era useiro em provocar a ira de seus adversários, usando a ironia e as frases de efeito para esse fim, mas, no geral, suas "tiradas" tinham muito de verdade.
Atribui-se a ele a afirmação de que "subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos", na qual procurava mostrar que o atraso do desenvolvimento do Brasil não era obra do acaso ou culpa de outros, mas resultado das nossas ações e, principalmente, omissões.
Apenas a União pode criar mecanismos de compensação que permitam encerrar a "guerra fiscal"
No caso do movimento que se verifica em Brasília, de alterar a regra da unanimidade para a tomada de decisões no Confaz, não se aplica a colocação de Nelson Rodrigues, pois não se trata de discutir visões ou opiniões, mas de se assegurar o equilíbrio necessário a esse mecanismo de negociação entre os Estados sobre as normas do ICMS, com vistas a evitar que ações isoladas ou de alguns membros da federação possam acarretar prejuízos aos demais.
Trata-se, no caso, de se evitar o que Hayek chamava de "tirania da maioria", defendendo a necessidade de mecanismos institucionais que pudessem impedir que as maiorias ocasionais impusessem às minorias medidas que ferissem seus direitos fundamentais.
A concessão de incentivos fiscais com a utilização do ICMS para atrair investimentos por parte de um Estado acarreta perdas para os demais, porque os Estados de destino terão de aceitar créditos de impostos não recolhidos, como se tivessem sido pagos na origem.
Além disso, distorcem-se as condições de competição entre as empresas situadas nos Estados que concedem benefícios e as dos demais Estados, levando muitas delas a mudarem sua localização para poder competir em igualdade.
Isso representa, muitas vezes, uma grande injustiça para as empresas que se instalaram no Estado sem qualquer benefício e que ficam em condições menos favoráveis do que as incentivadas.
A decisão do Supremo Tribunal Federal de declarar a inconstitucionalidade das leis que concederam incentivos fiscais do ICMS sem a autorização do Confaz pode trazer sérias consequências para os Estados que os concederam e também para as empresas beneficiadas.
Se as leis eram inconstitucionais, os incentivos por elas oferecidos eram indevidos e os tributos isentos devem, ou pelo menos podem ser cobrados. Também os contratos ainda vigentes foram atingidos pela decisão do STF, o que pode afetar a viabilidade econômica de alguns projetos ou a sua continuidade.
Como consequência vai ser necessária a realização de intensas negociações no âmbito do Confaz em busca de soluções para convalidar os benefícios concedidos anteriormente, a fim de regularizar a situação tanto das empresas beneficiadas, como dos governos desses Estados.
Também é preciso um entendimento no Conselho, para estabelecer prazos e condições para a extinção gradual dos benefícios dos contratos existentes.
Nessas circunstâncias, discutir a questão do "quórum" para as decisões do Confaz significa um casuísmo injustificável, que pode colocar em risco o "pacto federativo" existente, sem que se tenha estabelecido uma solução para os problemas das transações interestaduais resultantes do uso de um sistema de valor adicionado em uma federação.
Essas negociações devem se fazer em paralelo com as discussões em curso para evitar a continuidade da guerra fiscal e para estabelecer mecanismos de desenvolvimento regional que compensem a perda de autonomia dos Estados para conceder incentivo fiscal.
As propostas em análise no Congresso Nacional envolvem a redução da alíquota nas transações interestaduais para 4% para o Estado de origem, com a criação de um fundo para compensação aos Estados que terão suas receitas diminuídas e outro para o desenvolvimento regional.
Somente a União, que recolhe mais de 65% do total da tributação, tem condições de criar mecanismos de compensação que permitam encerrar de vez a questão da "guerra fiscal", embora ela própria ainda apresente déficit em suas contas.
Para o setor privado, o importante é que se tenha solução rápida das questões pendentes, porque, no fim, são as empresas as maiores prejudicadas pela instabilidade das regras.
Abrir mais uma frente de instabilidade com a discussão da questão da unanimidade nas decisões do Confaz somente vai prolongar o período de incertezas.
O empresário precisa de segurança jurídica para poder planejar seus investimentos, além de regras claras e estáveis. Quando as regras passam a ser mudadas com muita frequência ou afetam situações já consolidadas da atividade empresarial, o estímulo para novos investimentos se reduz.
Mais importante do que se discutir essa mudança na forma de decisão do Confaz é discutir uma proposta de reforma tributária que, mesmo que implantada gradativamente, possa conduzir à simplificação da legislação do ICMS, hoje dispersa por normas estabelecidas por 27 Estados e ainda sujeitas à busca de consenso no âmbito do Confaz.
A burocracia resultante da sistemática atual de tributação da circulação de mercadorias representa um elevado custo administrativo para as empresas e para os próprios Estados, além de oferecer grandes riscos para a atividade empresarial.
Vamos deixar de lado soluções casuísticas e buscar soluções racionais.
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