quinta-feira, setembro 06, 2012

Raiva e candura - MARCELO COELHO


FOLHA DE SP - 06/09

A sessão dedicou-se a alguns dos personagens menos importantes de todo o escândalo


IMAGINE QUE você é especialista em recursos humanos, tendo trabalhado em supermercados e fábricas de cigarro.

Abre depois uma firma de consultoria, prestando serviços de reestruturação de quadros funcionais. Ou, para falar mais claro, você ajuda outras empresas a fazer cortes de pessoal.

Um belo dia, recebe o convite de um banco para profissionalizar a administração.

Acaba recebendo um cargo de vice-presidente e passa a participar das reuniões da diretoria. Sem entender nada de empréstimos nem de finanças.

O detalhe: esse banco era o Banco Rural, que estava renovando empréstimos suspeitíssimos ao PT e a Marcos Valério.

Na diretoria, já decidiram: o favorecimento a esses clientes "especiais" será feito. Cabe a você (que chegou há poucos meses) assinar também. Você assinaria? Ayanna Tenório assinou, tornando-se ré do mensalão.

Para Ricardo Lewandowski, relator do processo no Supremo, não dá para considerar, com base nessas circunstâncias, que ela tenha participado de fraude, de ardil, de engodo intencional.

Contrariando a opinião de Joaquim Barbosa, absolveu a acusada, e também Vinicius Samarane, seu subordinado, que não assinou nenhum empréstimo, mas era responsável pela área de inspeção e auditoria do banco.

A sessão desta quarta-feira dedicou-se, como se vê, a alguns dos personagens menos importantes de todo o escândalo. Lewandowski e Barbosa já tinham concordado em condenar os figurões do Banco Rural, Kátia Rabello e José Roberto Salgado.

Mas Ayanna... O caso permitia dúvidas. Lewandowski mencionou inclusive a "candura" da moça, que admitira gazetear as reuniões.

"Candura?" O termo de Lewandowski não agradou a Joaquim Barbosa, que pediu a palavra.

No debate que se seguiu, era possível adivinhar uma questão de classe social em jogo.

Ayanna "não veio de baixo", disse Barbosa; conclua-se que sua inocência era mais difícil de presumir.

Ainda num presumido lance de "solidariedade burguesa", Lewandowski assinalou que Vinicius Samarane só se tornou "diretor estatutário", isto é, gestor efetivo da instituição, muito mais tarde.

"Diretor, diretor estatutário... he he", retorceu-se Barbosa: "Não sei qual é a diferença".

Fuzilou Lewandowski, exagerando intencionalmente na pronúncia da palavra: "Diretor de compliance, Vossa Excelência sabe o que significa?".

Lewandowski engasgou. Seu adversário não estava num dia compreensivo com diretores em geral.

Depois disso, Lewandowski disse que abriria mão da "tréplica".

Barbosa ainda escarneceu.

"Mesmo porque, he he, não há tréplica no nosso regimento."

"Nem réplica", disse alguém.

Um bom juiz colocou panos quentes: "São esclarecimentos, não são réplicas nem tréplicas...".

Com paciência e elegância infinitas, Lewandowski resumiu: "abro mão, então, dos meus esclarecimentos".

O dia estava ganho para ele, de qualquer modo. A fúria acusatória de Barbosa tinha ido além da conta.

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