segunda-feira, setembro 17, 2012
Política fiscal ardilosa - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 17/09
Discretamente, como costuma agir em situações como essas, o governo do PT começa a lançar mão de artimanhas contábeis e financeiras para tentar mostrar aos contribuintes que tem condições de cumprir as metas de superávit primário fixadas para este ano, mesmo concedendo vantagens tributárias para determinados setores da economia quando a arrecadação federal registra queda na comparação com a de 2011.
Um claro sinal de que o governo enfrenta dificuldades crescentes para cumprir a meta de R$ 139,8 bilhões de superávit primário - isto é, a diferença entre receitas e despesas não financeiras, necessária para cobrir as despesas com a dívida pública - fixada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para este ano foi a publicação, no Diário Oficial da União, de um decreto e duas portarias permitindo que a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) transferissem R$ 4,5 bilhões para o Tesouro.
O fato de essa transferência ter sido feita com o resgate antecipado de títulos que venceriam em 2027 (no caso da CEF) e 2035 (no caso do BNDES) - ou seja, com antecipação de 15 e 23 anos - torna intrigante essa operação, sobre a qual o Ministério da Fazenda nada quis comentar. Por meio dela, as duas instituições financeiras controladas pelo governo pagaram antecipadamente ao Tesouro Nacional (R$ 1,499 bilhão pela CEF e R$ 3,07 bilhões pelo BNDES) dividendos que só deveriam ser recolhidos no ano que vem. O valor foi contabilizado em agosto como receita do Tesouro. Ou seja, os resultados de agosto, que o Tesouro só deverá anunciar na última semana deste mês, já estarão devidamente maquiados.
Uma observação sobre o valor transferido para o Tesouro pela CEF dá outra indicação de que a política fiscal do governo começa a ser gerida de maneira ardilosa. Poucos dias antes da publicação das medidas que autorizaram a transferência antecipada de dinheiro para o Tesouro, a CEF havia recebido aporte de capital de R$ 1,5 bilhão, o que garante a expansão de suas operações de crédito sem ferir as regras de prudência bancária.
O dinheiro para isso saiu do Fundo Soberano, que é controlado pelo Tesouro, mas não foi lançado como despesa. A antecipação de dividendos feita pela CEF, no entanto, entra como receita.
Parece que as duas partes ganham - a CEF tem sua estrutura de capital fortalecida, o que lhe permite ampliar as operações; o Tesouro tem receita adicional, o que melhora suas contas - e ninguém perde. Mas há, por certo, uma perda. Trata-se da credibilidade do governo.
Dificuldades para o cumprimento da meta de superávit primário deste ano são cada vez mais visíveis. Nos sete primeiros meses de 2012, o setor público financeiro cumpriu apenas metade (ou 50,95%) da meta anual. É clara a deterioração dos resultados em relação ao ano passado. No período janeiro-julho de 2011, o superávit correspondeu a mais de 70% da meta.
Para atingir a meta cheia - isto é, sem utilizar recursos permitidos pela lei, como o abatimento de até R$ 20 bilhões de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do conjunto de despesas -, como o governo continua a anunciar que fará, os ganhos dos últimos cinco meses do ano terão de ser praticamente iguais aos dos sete primeiros. Normalmente, porém, os últimos meses são os que registram as maiores pressões por gastos.
Tem sido prática do governo ajustar o superávit primário utilizando os dividendos pagos por empresas estatais. A previsão de receitas com dividendos em 2012 é de R$ 26,5 bilhões, mas, até julho, haviam sido arrecadados R$ 10,9 bilhões, bem menos da metade do valor previsto para todo o ano e menor do que o de igual período de 2011, de R$ 11,8 bilhões. As principais fontes dessas receitas para o Tesouro - BNDES, Banco do Brasil e Petrobrás - tiveram forte queda de lucros no primeiro semestre.
Em vez de praticar manobras que pouco melhoram os resultados, mas corroem sua credibilidade, o governo deveria reconhecer que está com problemas na área fiscal - melhor, deveria mostrar que está disposto a enfrentá-los, com a redução de gastos.
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