segunda-feira, setembro 17, 2012
Política comercial deplorável - MARCELO DE PAIVA ABREU
O ESTADÃO - 17/09
A política comercial brasileira parece ter pelo menos três patronos: o Barão de Itararé, Stanislaw Ponte Preta e Nelson Rodrigues. É uma mistura do Febeapá, de Ponte Preta (o "festival de besteiras que assola o País"), com o "de onde menos se espera, é daí mesmo que não sai nada", de Itararé, gerando as "lágrimas de esguicho", de Nelson Rodrigues.
O anúncio do governo de que vai aumentar as tarifas de importação de 100 produtos, em sintonia com a política argentina de regredir para o mais extremo primitivismo protecionista, chocou muitos observadores da cena econômica brasileira. A surpresa é descabida. A decisão é deplorável, mas apenas culmina o mau retrospecto recente.
Nos anos Lula, apesar de a política econômica ter sido censurável sob diversos ângulos, a política comercial foi bastante competente. O Brasil teve atritos com o Canadá na Organização Mundial do Comércio (OMC), por causa dos painéis sobre subsídios da Embraer e da Bombardier, e saiu-se bastante bem. Teve, também, duas retumbantes vitórias posteriores na OMC, nos processos de solução de controvérsias nos casos do algodão, contra os EUA, e do açúcar, contra a União Europeia. Em meados de 2008 o Itamaraty saiu-se, de novo, muito bem na foto, quando o Brasil tentou, sem sucesso, conciliar as posições divergentes em relação ao protecionismo agrícola entre as economias desenvolvidas e os nossos "aliados" do G-20, que mostraram, afinal, seu lado mais protecionista.
No governo Rousseff, a regressão ao protecionismo tem sido clara: seja na forma de aumentos tarifários seletivos; seja na forma de taxação discriminatória de IPI sobre importações (de legalidade mais do que duvidosa); seja ao brandir ameaças de ações antidumping que dificilmente redundarão em contenção relevante das importações. Seja, para culminar, ao defender com grande sangue-frio a ideia de que a OMC é o foro adequado para discutir regras multilaterais para compensar flutuações cambiais desestabilizadoras dos fluxos comerciais.
O governo parece viver no mundo da Lua. Reporta-se que estaria disposto a "descartar" a ideia de candidatura própria à direção da OMC, em vista da reação negativa dos países desenvolvidos em relação às iniciativas pouco ambiciosas da diplomacia brasileira na Rio+20. Embora não seja fácil acompanhar a distância os bastidores genebrinos, parece claro que uma candidatura brasileira, que talvez pudesse ter sido viável até 2010, já não é factível em face dos retrocessos sob o governo Rousseff. Se o Brasil for levado a descartar uma candidatura brasileira à sucessão de Pascal Lamy na direção da OMC, estará apenas demonstrando sinais de realismo político, o que parece andar escasso no Planalto.
Convém lembrar que, na última eleição na OMC, o Itamaraty tomou monumental bola entre as pernas ao lançar candidatura brasileira rechaçada pelos pares logo na primeira rodada. Chegou à última escolha tendo de optar entre um candidato de país desenvolvido e um candidato de outro país do Mercosul cuja eleição não queria, em vista de sua posição hostil em Cancún. Façanha memorável, a não ser emulada.
A alternativa aventada agora - de negociar apoio a outras candidaturas em troca de compromissos de inclusão, entre as regras multilaterais, de dispositivos para compensar o efeito negativo de desvalorizações sobre o comércio mundial - parece irrealista, ante a escassa popularidade do tema entre os parceiros mais relevantes. Segundo o Itamaraty, o País jogaria papel central no estabelecimento de regras de compensação de variações cambiais. Música para muitos ouvidos, mas a ênfase não aumenta a baixa probabilidade de que tais regras sejam seriamente consideradas.
O governo assevera que as decisões recentes não violam as regras da OMC. Se for levado em conta que a tarifa média aplicada pelo Brasil é de 12%, e que a tarifa máxima aplicável de acordo com os compromissos da OMC é de 35%, a frase fica quase ridícula. O governo poderia triplicar a tarifa média e ainda estaria respeitando as regras da OMC. Se não o faz, é porque teme o impacto sobre a inflação e a competitividade das exportações. Mas também são declarações que revelam preocupação com a legalidade de medidas anteriormente adotadas, especialmente quanto ao IPI discriminatório. O aumento recente, como lembrado pelo representante dos EUA na OMC, viola compromissos assumidos no G-20 com o objetivo de evitar uma escalada global do protecionismo. O Brasil está a reboque da Argentina.
Na tentativa de apaziguar as críticas generalizadas, o ministro Guido Mantega assegurou que, se houver aumento de preços, o aumento de tarifas seria revertido. É claro que há relação estreita entre proteção e preços internos. Nas avaliações bursáteis, onde prevaleceram os que sabem fazer contas, houve substancial aumento das cotações das ações das empresas beneficiadas. Enquanto isso se estabelece um clima de "eu também quero" entre os setores excluídos da distribuição de benesses. Danem-se os consumidores de insumos ou bens finais importados. Danem-se o custo Brasil e, em prazo mais longo, a perspectiva de crescer de forma significativa e sustentada.
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