domingo, setembro 02, 2012

O emergente submerge - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP - 02/09


Tibieza do Brasil é um brutal contraste com a iniciativa egípcia para a carnificina na Síria



Compare as posições do Egito e do Brasil sobre a crise síria.
O presidente Mohamed Mursi disse que é "obrigação ética" apoiar a luta do povo sírio contra o "o regime opressivo" de Bashar Assad.
Acrescentou: "Parar o derramamento de sangue na Síria é responsabilidade de todos, e devemos saber que não pode ser detido sem uma ingerência efetiva [de todos nós]".
Posição clara, sem platitudes.
Agora, a posição mais recente do Brasil, contida no comunicado assinado durante visita do chanceler Antonio Patriota a Estocolmo: "Com relação à situação na Síria, Brasil e Suécia reiteraram seu apoio às legítimas aspirações do povo sírio, condenando inequivocamente toda violência contra civis e violações dos direitos humanos, ressaltando a responsabilidade primária do governo".
Óbvio e fraquinho, para uma situação de tamanha dramaticidade.
Palavrório à parte, o que o Brasil defende como solução à crise? "Pleno apoio aos esforços do novo representante especial conjunto da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi".
Todo o mundo sabe que os esforços do representante especial anterior fracassaram redondamente e que tendem a zero as chances de que Brahimi tenha êxito.
Já o Egito, em vez de insistir no fracasso, sugere criar um grupo que possa convocar uma conferência de paz que envolva as partes em confronto. É simples? Longe disso, mas tem a imensa vantagem de que o grupo proposto inclui, além do próprio Egito, dois "inimigos" de Assad (Turquia e Arábia Saudita) e o país que é o único aliado regional do ditador sírio, o Irã.
A lógica da proposta é correta: se há forte consenso de que na Síria se trava uma guerra por procuração, nada mais óbvio do que chamar para conversar o Irã, que arma Assad, e a Arábia Saudita, que arma os rebeldes. Pode ser que os dois queiram continuar usando os sírios como carne de canhão, mas pode ser também que "a fadiga de batalha que afeta as partes em conflito na Síria possa tornar bem-sucedida a iniciativa egípcia", disse ao jornal "Al-Akhbar" o ex-vice-ministro egípcio do exterior Mustafa Abdul-Aziz.
Haja ou não chances de sucesso, o que é mais digno: insistir em um processo fracassado, enquanto aumenta a carnificina, ou pôr a imaginação para funcionar e fazer uma proposta ousada?
A proposta tem a vantagem adicional de driblar a paralisia do Conselho de Segurança, bloqueado pelo veto permanente da Rússia (acompanhada pela China) a qualquer iniciativa contra o "regime opressivo" de Assad, para usar a expressão de um líder que não é pró-ocidental, títere do imperialismo ou coisa que o valha.
É de um país árabe e de um partido islamita.
Em benefício do Brasil, pode-se dizer que não é, ao contrário do Egito, um líder na região. Mas, se quer ser de fato um "global player", tem que tomar posições, apresentar propostas. Do contrário, acontecerá sempre o que aconteceu com o processo negociador Colômbia/Farc: o Brasil fica excluído, embora seja o gigante regional.

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