domingo, setembro 23, 2012

Novelão do mensalão - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 23/09


Dona Alzira não está vendo a novela. Não, não é mania de ser diferente. Explica que nunca foi de seguir novela, e logo se corrige: viu Beto Rockefeller, do Bráulio Pedroso, ali por 68, 69 - do século 20, ironiza. Em preto e branco, mas tão colorido, entende? Luiz Gustavo, Débora Duarte, Maria Della Costa, Bete Mendes, Irene Ravache... - enumera, revirando os olhos. Todos tão novinhos, meu Deus, ela suspira. Pensar que o Plínio Marcos, o Walter Forster e o Rodrigo Santiago já não estão entre nós...

Depois de Beto Rockefeller, nunca mais acompanhou novela. No começo, por não achar nenhuma que se pudesse comparar. Quando rebaixou as expectativas, lhe aconteceu de pegar história andando - e, desinformada da trama, sem saber quem era quem, não aguentou a antipatia das amigas, sabichonas. A fazer um intensivo, preferiu não ver. Tomou enjoo, não só das amigas. Mas tem outro motivo para não tolerar novela: aquilo que o filho, com o perdão da grosseria, chama de coito interrompido. Quando a coisa vai no melhor, a história empaca, e sobe aquela cachoeira invertida de créditos que ninguém dá conta de ler.

Se passassem tudo de uma vez só, já pensou?, ela se aboletaria no sofá, com uma jarra de suco e uma provisão de biscoitos, e virava o dia, mais de um até, numa sucessão de emoções cortada apenas quando precisasse ir lá dentro. Se começou, vai até o fim!, protesta Dona Alzira, assumindo seu quinhão de impaciência. A mesma impaciência, aliás, que a levou a desenvolver outra ojeriza: a fondue de carne. Poucas coisas há mais enervantes que a espera para que um naco de filé fique no ponto. Por mim, declara, despejava tudo no óleo fervente e ia pescando com o espetinho.

Se não vê novela, tem um programa de TV que a Dona Alzira adora: o mensalão, no canal Justiça. Isso mesmo, o julgamento no Supremo Tribunal Federal. Deu 2 da tarde, ela está a postos com um farnel de suco e biscoitos. Mas aquilo não é que nem novela - provoco -, e com a desvantagem de ter apenas três capítulos por semana? É, mas os capítulos duram horas... E tem algo original, diferente das novelas: muito falados, os vilões não aparecem. Nem os mocinhos, se é que ali tem mocinhos.

Quem diria, hein, que a gente iria viver para ver isso?, pasma-se Dona Alzira, mais avançada na idade do que qualquer um ali no tribunal.

O que Dona Alzira vê, afinal, no novelão do mensalão? Primeiro, acha bonito aquele pessoal de toga, a própria encarnação da Justiça com J maiúsculo - embora às vezes a coisa descambe para a ignorância, quando alguns enveredam pelo bate-boca. Mas em geral se ofendem nos termos mais elevados. O Lewandowski, coitado, levando cada carraspana do Joaquim... Formidável, o Joaquim! Craque na armação da trama - a Globo bem que poderia contratá-lo...

Naturalmente ela tem seus prediletos, a começar pelo bonitão do Toffoli e a classuda da Rosa Weber - e outros a quem, data venia, faz restrições. Fica irritada, em especial, com o jeito engomado de falar do Gilmar e do Marco Aurélio. Este, então... Será que sem toga e microfone ele fala daquela maneira, comendo o L no final das palavras e arrastando a vogal? Supremo Tribunaaá Federaaá, arremeda Dona Alzira - e especula: no almoço em casa, será que o Marco Aurélio pede à mulher que lhe passe o saaá?

Outra vantagem do mensalão televisivo, acha ela, é que se aprende um bocado. Palavras novas, principalmente. Além do farnel, talvez seja o caso de ter à mão um dicionário. Porque, francamente, o que se diz ali volta e meia deixa a gente boiando. Dias desses um deles, qual mesmo?, veio com um "adimplir". Dona Alzira só matou a charada quando pensou em "inadimplência". O ministro bem que podia ter facilitado as coisas com "pagar a dívida", qualquer um entenderia. Mas será que eles, pessoas tão estudadas, estão ali para serem entendidos por qualquer um?

O fato é que Dona Alzira ficou encantada com o "adimplir". Daqui para a frente, em vez de meramente pagar as contas, é muito provável que ela adimpla.

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