sábado, setembro 29, 2012

Faltou alguém mais sensato - LEONARDO CAVALCANTI


CORREIO BRAZILIENSE - 29/09


Se algum cidadão mais sensato tivesse acesso à reunião da Mesa do Senado ocorrida na tarde da última terça-feira teria avisado aos políticos para desistirem daquela ideia estúpida. Qualquer um iria tentar convencer os representantes do povo brasileiro que a estratégia de jogar na nossa conta uma dívida deles era um absurdo sem tamanho. Mas como tais reuniões são feitas na surdina, a sandice prosperou. E agora o imposto referente aos 14º e 15º salários — cerca de R$ 10,8 milhões — é da União.

Sobrou para você — e para mim — a sonegação dos nobres parlamentares. Pagamos em dobro uma regalia sem precedentes. Primeiro, entregamos aos camaradas mais dois salários que eles não deveriam receber em hipótese alguma. Depois, fomos obrigados a entregar mais dinheiro para cobrir a dívida deles com o Leão. Na prática, é isso que vai ocorrer se os políticos conseguirem encontrar uma forma de empurrar goela abaixo a conta para o Senado. Afinal, quem paga os custos daquela Casa é você.

No início do último mês de março, este Correio revelou que, ao longo dos últimos cinco anos, os senadores aplicaram um calote na Receita ao deixarem de pagar o imposto devido pelos recebimentos extras. A partir dali, ganhou força na Casa a aprovação do projeto para acabar com os rendimentos extras. Uma proposta idêntica havia sido confirmada na Câmara Legislativa um mês antes, depois de uma campanha do jornal. Assim, esperava-se que o absurdo chegasse ao fim também no Congresso.

Qual o quê! O texto que previa a extinção dos benefícios extras, de autoria da atual ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR) até passou pelo Senado com relativa facilidade, em maio último. Desde então está pendurado na Comissão de Finanças e Tributação. A desculpa para o freio na tramitação do texto é a falta de quórum por causa das eleições. É de lascar, não é não? Além de embolsarem nosso dinheiro, congressistas simplesmente não aparecem no trabalho. Preferem cabular votos. Ou descansar.

Os salários extras foram instituídos para pagar a mudança dos deputados recém-eleitos para Brasília. Pela ideia da regalia, os congressistas deveriam receber uma cota no início do mandato e outra — caso o camarada não fosse reeleito — no fim da legislatura. Assim, teríamos no máximo dois salários extras em quatro anos no caso dos deputados e oito no dos senadores. Mas a bestialidade pinga a cada ano no contracheque dos congressistas, como se fosse salário por produtividade. Logo para quem? Para quem falta ao trabalho para ficar em casa.

Na reunião de terça, integrantes da Mesa tiveram um porta-voz para relatar o acordo do pagamento da dívida. O senador Aníbal Diniz (PT-AC), vice-presidente da Casa, saiu com esta pérola: “Na medida que a ajuda de custo foi abolida, o Senado se acusou e a Receita começou a exigir o pagamento. Então os senadores pressionaram a Mesa para não serem punidos”. Então, tá. A pressão dos camaradas — que se acham os donos do mundo — foi passada para você, que agora vai ter de arcar com o prejuízo.

Ao longo da semana, alguns congressistas garantiram que iriam pagar do próprio bolso a dívida com o Leão. São poucos e fazem quase nenhuma diferença na lógica de que continuamos a pagar salários extras e as dívidas da maioria. O melhor seria que os nossos bravos senadores e deputados — os que tiveram a decência de recusar o privilégio — conseguissem convencer os colegas a abrir mão da mamata. A cada sessão da Comissão de Finanças e Tributação, volta a esperança. Um dia o privilégio cai.

Outra coisa
A imagem do primeiro parágrafo, a do cidadão capaz de avisar aos políticos sobre a estupidez a ser tomada no próximo instante — foi descrita por um tributarista ao repórter João Valadares. O homem preferiu não se identificar e, assim, aproprio-me. O país seria outro se fosse possível homens de bem irromperem reuniões de congressistas e de burocratas para tentar demovê-los de ideias absurdas. Na hora que a picaretagem estivesse sendo tratada, lá estaria o nosso herói. Nada seria mais oportuno.

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