quarta-feira, setembro 05, 2012
Bom para alguns, ruim para todos - FERNANDO ULRICH
O Estado de S.Paulo - 05/09
A política de redução do spread bancário e de aumento de crédito concedido pelos bancos oficiais beneficia a alguns, sem dúvida. Em especial àqueles devedores marginais, antes considerados não aptos a um financiamento e que, agora, veem seus sonhos de consumo serem realizados. Beneficiadas também são as empresas que fornecem os produtos aos novos consumidores. Sob a batuta do ministro da Fazenda, a orquestra de bancos públicos toca a música, e o povo dança. Que insensível indivíduo se oporia a uma causa nobre: possibilitar o acesso dos cidadãos de menor renda a bens tão importantes? Não é uma política boa para todos? Infelizmente, receio que não.
Divulgados os balanços dos bancos brasileiros no 1.º semestre, a verdade é que os números não são nada confortantes, com especial destaque para a Caixa Econômica Federal. Na contramão dos bancos privados, a Caixa segue expandido sua carteira de crédito a um ritmo inquietante: 45% nos últimos 12 meses. E não foram só os empréstimos da Caixa que se expandiram, sua alavancagem alcançou 28 vezes, a maior dos últimos dez anos e quase o triplo da média dos três maiores bancos privados.
Dos quase R$ 600 bilhões em ativos da Caixa, 30% correspondem à carteira de financiamentos imobiliários. Enquanto seus ativos cresceram 4,6 vezes em dez anos, os créditos imobiliários - ativos de longa maturação - aumentaram 12 vezes, ampliando assim seu descasamento de prazos. Do total dos empréstimos imobiliários no Sistema Financeiro da Habitação (SFH), a Caixa responde por mais de 75%, ou R$ 177 bilhões. Além disso, sua carteira de crédito tem proporcionalmente mais devedores enquadrados nas faixas de maior risco do que os bancos privados.
Apesar de todos esses dados alarmantes, o governo insiste em afirmar que a Caixa tem solidez financeira, baixíssima inadimplência, ótima gestão e uma análise de crédito do mais alto nível, o que lhe permite conceder financiamentos a cidadãos que outros bancos simplesmente se recusam a atender. É fato que seu índice de Basileia, hoje em 13%, está acima do nível mínimo de enquadramento, de 11%. Mas é o menor índice entre os principais bancos do País e vem caindo consistentemente nos últimos anos. Em 2008 estava acima de 20%.
Apesar de servir como um indicador de segurança das instituições financeiras, as regras de Basileia não são nenhuma garantia de solvência e liquidez. Basta lembrar do banco americano Lehman Brothers, em 2008, e do banco franco-belga Dexia, em 2011. Seguindo as regras de Basileia, ambos estavam plenamente capitalizados dias antes de colapsarem. Diante desses fatos, teria a Caixa, então, encontrado uma fórmula mágica para - ao expandir o crédito, sua alavancagem e seu descasamento de prazos - aumentar somente sua rentabilidade sem aumentar seu risco?
Definitivamente não. Num banco público, expandir o crédito e reduzir os juros abaixo dos níveis de mercado são decisões políticas, e não econômicas. De 35%, em 2001, os bancos oficiais agora respondem por mais de 45% do total de crédito no País. Enquanto os bancos privados pisam no freio, o governo acelera, e Guido Mantega ameaça: "Os bancos privados vão perder mercado".
A verdade é que, com a garantia política de solvência, praticamente não há incentivos à boa gestão. Se algo der errado, se houver algum prejuízo, o governo paga a conta. Mas quem paga a conta do governo? Os pagadores de impostos. Os cidadãos brasileiros.
Não surpreende, portanto, quando o governo especula mais capitalizações à Caixa, seja pela injeção direta de recursos, seja pela transferência de créditos de qualidade duvidosa à Empresa Gestora de Ativos (Emgea) - uma óbvia admissão de que algo não vai bem nessa farra de crédito.
A política do governo de redução artificial dos juros e de "democratização" do crédito traz consigo benefícios e custos. No curto prazo, bom para alguns; mas no longo prazo, certamente, ruim para todos. É difícil prever quando pagaremos essa conta. Quanto antes pisarmos no freio, menos salgada ela será.
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