sábado, setembro 22, 2012

A espionagem da espionagem - LEONARDO CAVALCANTI


CORREIO BRAZILIENSE - 22/09

Tony Canning é um dos personagens de Serena (editora Companhia das Letras), o livro mais recente do incensado escritor inglês Ian McEwan. Na pele de um professor universitário, Canning parece um tanto menor na trama. É uma armadilha. Na verdade, ele inicia Serena, a protagonista do romance, no serviço secreto da Inglaterra e, depois, ao longo do texto, passa a ser suspeito de dupla espionagem, um pecado mortal para qualquer agente. Haveria, porém, certa moral nas ações de Canning, ao menos para ele: apenas um equilíbrio de forças, o medo recíproco, poderia manter a paz, mesmo que isso significasse entregar segredos a uma tirania. Se o Japão estivesse de posse de uma arma atômica, os horrores de Hiroshima não teriam ocorrido, diria Canning. No mundo real, não há desculpas, apenas o silêncio.

Reportagem publicada na última quinta-feira neste Correio revelou que a Polícia Federal prendeu um oficial-técnico da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. O homem investigava os próprios colegas. Na prática, o camarada era o espião dos espiões. Foi acusado de traição pela equipe.

O araponga inimigo dos arapongas passou a ser conhecido pelas iniciais W.T.N. e tem 35 anos. Ele teria hackeado 238 senhas de colegas que trabalhavam com informações estratégicas — pelo menos é o que deixam escapar outros agentes. Se você não valoriza o próprio trabalho, quem é que vai valorizar?

E aqui chegamos a um problema. Qual o tipo de informação produzida pelos nossos agentes?

Suporte”

O serviço secreto brasileiro foi instalado em 1927, pelo presidente Washington Luís (1869-1957). Para os arapongas, este é o marco: a instituição do Conselho de Defesa Nacional. Pelo o que consta na página da agência na internet, ali “deu-se então o início da atividade de Inteligência no Brasil, como instrumento de suporte às ações estratégicas do Poder Executivo”. A partir daqui segue-se um breve histórico do serviço, chegando até a Abin, criada há 13 anos, em 1999. O que o site pouco mostra são os detalhes do serviço secreto durante o regime militar, entre 1964 e 1985, quando o agentes estavam diretamente ligados ao Serviço Nacional de Informações e todas às subdivisões, como a de Segurança e Informações (DSI) e a Assessoria de Segurança e Informações (ASI), presentes, na época, em vários órgãos, como na Universidade de Brasília (UnB) e no Incra, por exemplo.

É ingenuidade e até mesmo desonestidade intelectual esperar que um serviço secreto divulgue informações, mas não deixa de ser importante para o país saber qual o trabalho desempenhado pelo nosso agente secreto flagrado espionando os colegas de trabalho. Até para sufocar especulações.

Café e sabão

No ano passado, a agência passou por certo desgaste depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegais as investigações da Operação Satiagraha. Um parecer do Ministério Público apoia o argumento de que funcionários da agência participaram da apuração sem amparo legal.

Em janeiro de 2011, reportagem deste Correio mostrou que, entre os gastos sigilosos — sob a justificativa de “proteção do Estado” — estavam a compra de café e açúcar. As aquisições “secretas”, feitas no cartão corporativo, foram questionadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

As perguntas agora são: qual foi o tamanho do estrago feito pelo agente da Abin preso em flagrante pela Polícia Federal na semana passada acusado de arapongar os colegas? Quais as informações cruciais a que ele teve acesso? A cultura do silêncio da agência apenas abre espaço para especulações.

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