domingo, setembro 09, 2012

À espera do futuro - LEE SIEGEL


O Estado de S.Paulo - 09/09


A este ponto patético chegaram os Estados Unidos. O discurso de 48 minutos de Bill Clinton na Convenção Nacional Democrata em Charlotte, Carolina do Norte, na última quarta-feira à noite, no qual ele oficialmente indicou Barack Obama como o candidato presidencial do Partido Democrata, foi o primeiro exemplo de comediante branco maquiado como negro na política americana. A finalidade do discurso era usar um político branco proeminente e - ou assim se acreditava - amado para expor as ideias de Barack Obama. A esperança era que, ao fim do discurso, os americanos pudessem realmente acreditar que um branco, e não um negro, estava concorrendo à Presidência.

Posso parecer cínico, eu sei, mas está ficando cada dia mais claro que, conforme já sustentei nesta coluna, Mitt Romney será o próximo presidente dos Estados Unidos. A acumulação de provas é irrefutável. Embora Romney tenha se mostrado vezes sem conta um empresário impiedoso sem nenhuma ousadia ou visão para o país, ele e Obama estão empatados nas pesquisas. Os democratas, que têm dificuldade de aceitar a realidade quando ela parece contradizer suas expectativas morais, repetem constantemente que o fato de as pesquisas mostrarem Obama muito à frente de Romney é um atestado da sua aceitação. Bem, e daí? Uma questão apenas decide o destino de um presidente que busca a reeleição: a maneira como as pessoas estão se saindo economicamente. Diversas pesquisas têm questionado as pessoas sobre se a economia americana está no rumo certo - e, nelas, entre 70% e 80% dizem que não. Se esses números persistirem, e eles quase certamente persistirão, a lei de ferro das eleições americanas entrará em ação. Os tempos estão duros? Ponha os vagabundos pra fora.

A campanha, como também já argumentei, joga um grande papel. Um filme anti-Obama chamado Obama's American 2016, carregado de preconceitos raciais, foi lançado há pouco e rapidamente se tornou um dos documentários políticos mais rentáveis já feitos. As pessoas que dizem que gostam mais de Obama do que de Romney podem perfeitamente estar escondendo seu desconforto com um presidente negro por trás de uma exibição de "não é nada pessoal". Elas gostam dele como pessoas preconceituosas costumam dizer: "Mas alguns de meus melhores amigos são negros!" Elas gostam dele, com certeza. Somente não querem que ele ocupe a Casa Branca.

O contraste entre as pessoas que lotaram as convenções republicana e democrata é gritante. Serei curto e grosso sobre o que todo o mundo ao meu redor murmura, mas ninguém dirá por impresso ou no ar. Tomada no conjunto, a multidão republicana era alguns milhões de quilos mais pesada que a multidão democrata e parecia flutuar num mar de colesterol ruim. Acrescento rapidamente que este que lhes escreve parece o que alguém um dia chamou de conservador de esquerda, que toma remédio todos os dias para controlar o colesterol e bem que poderia perder uns oito quilos. Mesmo assim, levando em conta exceções às distinções de peso na política americana, a direita agita o estandarte do McDonald's enquanto a esquerda combate sob o estandarte da rúcula. Pessoas desesperadas comem demais como se para canibalizar e controlar o mundo organizado contra elas - eu já estive lá, ou quase lá. A direita está desesperada.

Da mesma forma como os norte-vietnamitas não poderiam ser vencidos pelos americanos porque estavam defendendo seus lares, a direita não perderá da esquerda em novembro porque está combatendo por sua vida. Ela votará com a ferocidade da fera acuada. A transição demográfica está contra ela. A etnia branca está cedendo lugar a grupos crescentes de novos americanos, como os latinos e os asiático-americanos. Julian Castro, o prefeito de San Antonio, Texas, que proferiu o arrebatador discurso demarcador de posições na convenção democrata, é a cara do futuro. O mesmo se pode dizer do prefeito de Los Angeles e presidente da Convenção Nacional Democrata, Antonio Villaraigosa, que também falou.

Foi significativo, quanto a isso, que os republicanos tenham convocado Clint Eastwood para tripudiar sobre o presidente em seu hoje famoso discurso da cadeira vazia. Alguns anos atrás, Eastwood fez um filme chamado Gran Torino no qual interpreta um operário fabril polonês-americano que havia perdido o emprego e detestava os imigrantes asiáticos que haviam ocupado seu bairro - ainda que no fim ele venha a aceitá-los. Admoestando o presidente sentado em efígie naquela cadeira vazia, Eastwood fazia a defesa daqueles americanos que não só estão perdendo seus empregos e casas, mas também sentem que estão perdendo seu lugar na sociedade. A cadeira vazia foi uma projeção angustiada do pavor. Os americanos a quem Eastwood tentava sensibilizar se sentem cada vez mais invisíveis. Eles temem desaparecer em breve, deixando somente casas vazias, fábricas vazias, cadeiras vazias. Por bizarra que possa parecer, a performance de Eastwood foi poderosamente eficaz.

Os democratas perderão, assim acredito - e espero estar errado - a batalha deste novembro, mas vencerão a guerra. A multidão na convenção republicana era avassaladoramente branca. A multidão na convenção democrata tinha as cores da nova América - negros, pardos, amarelos, vermelhos, brancos (empobrecidos e passando dificuldades), e tudo o que existe entre eles. É um futuro em que um presidente negro certamente não precisará vender seu peixe por trás de um rosto branco. É um futuro que está garantido - e que não deixará de ter suas próprias injustiças e deformidades -, mas ainda está para nascer.

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