segunda-feira, agosto 13, 2012

Venezuela vacila ao entrar no Mercosul - SERGIO LEO


Valor Econômico - 13/08


Enquanto as atenções se voltavam para um factoide criado em torno do presidente paraguaio, Federico Franco, que, em discurso na semana passada, explicitou a tradicional insatisfação do vizinho com os rendimentos de Itaipu, diplomatas e técnicos do governo cuidavam de problema mais relevante: a difícil adaptação da Venezuela para integrar, de fato, o Mercosul. Está em jogo a credibilidade do bloco e a seriedade do novo sócio, que emite sinais contraditórios.

Os venezuelanos mostram não ter pressa para conciliar as regras comerciais do país às do bloco do Cone Sul. E o presidente venezuelano, Hugo Chávez, informou à presidente Dilma Rousseff: em campanha eleitoral, evitará definições que possam ser exploradas pela oposição. A oposição, porém, não tem dado muita atenção ao tema, que é mencionado por empresários locais, temerosos da ameaça da competição com brasileiros e argentinos.

O Palácio do Planalto abrigou as reticências de Chávez, em troca da garantia de que, passadas as eleições, apressará o ritmo das conversas para a integração da Venezuela.

Seria erro de Dilma deixar negociação apenas aos técnicos

O governo brasileiro avalia que, se bem-sucedida, a entrada do país tende a favorecer produtos brasileiros em relação a fornecedores tradicionais dos venezuelanos, como a Colômbia. Mas Dilma também não pretende briga com o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, que considera aliado nos esforços para integração no continente. Ela fala em estreitar os laços comerciais com a Colômbia, embora não mostre ainda uma estratégia clara para isso.

Pelo menos dois grandes empresários ouviram, nos últimos dias, do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, que o governo quer "a Colômbia no Mercosul". Não é afirmação a ser tomada ao pé da letra: para ser integrante pleno do Mercosul, com quem já tem acordo como Estado associado, a Colômbia teria de adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco e romper o recém-sancionado acordo de livre comércio com os Estados Unidos, algo inimaginável em Bogotá.

O que os assessores de Dilma defendem é um esforço para negociar, com os colombianos, maneiras de reforçar a presença do país no Mercosul, de maneira a reduzir os efeitos negativos, para o vizinho caribenho, da incorporação da Venezuela ao Mercosul - e claro, abrir mercado a produtos brasileiros na Colômbia. Negociações para um acordo automotivo com a Colômbia, paralisadas há anos, poderiam ser reanimadas, por exemplo.

Além do esforço com a Venezuela, neste ano, outros países sul-americanos merecerão, no máximo, declarações políticas no que se refere ao Mercosul As negociações para incorporar o novo sócio já darão trabalho suficiente aos técnicos. Entre os problemas de competitividade dos venezuelanos, está a moeda sobrevalorizada, que consultorias locais, como a Ecoanalítica, calculam precisar de desvalorização superior a 100% para compensar os aumentos de custos dos últimos anos.

Especula-se na Venezuela que o Mercosul poderá servir de pretexto para sancionar uma desvalorização do bolívar após as eleições, ainda que muito abaixo dos 100%. Com uma inflação de 8,6% de janeiro a julho deste ano (quase 20% no periodo de 12 meses), a esquálida indústria venezuelana faz as dificuldades do setor privado brasileiro parecerem cócegas.

Some-se o crônico déficit comercial do país e seria fácil prever que os negociadores venezuelanos mostrariam, como já mostraram, a disposição de adiar ao máximo definições necessárias para a integração comercial da Venezuela ao Mercosul.

O governo brasileiro gostaria de começar já a troca de informações para facilitar a convergência entre as tarifas de importação da Venezuela e as do Mercosul, mas os venezuelanos só admitem começar a falar em mudanças de tarifas após concluído o esforço para adaptar as regras de classificação venezuelanas à nomenclatura comum do Mercosul, a NCM, usada na administração e estatísticas do comércio do bloco.

Pelo ritmo desejado em Caracas, o Brasil chegaria ao fim de sua presidência temporária do Mercosul, neste semestre, sem grande avanço ou definições na integração venezuelana, a não ser a adoção do sistema de classificação de mercadorias do Mercosul.

Hoje, em Montevidéu, negociadores do Mercosul se reúnem para discutir um cronograma das negociações com a Venezuela. Segundo informaram diplomatas brasileiros aos técnicos da Confederação Nacional da Indústria (CNI), na semana passada, o Brasil quer realizar reuniões de cinco dias, mensais, até o fim do ano, para garantir avanços nas conversas para adoção da TEC e de outros compromissos do bloco pelos venezuelanos.

"Vamos acompanhar de perto o cumprimento do protocolo de adesão pela Venezuela", comentou a gerente-executiva de negociações internacionais da CNI, Soraya Rosar, que ainda lembra das reuniões de negociação com o país, em 2006, canceladas com frequência pela ausência dos venezuelanos. "A burocracia na Venezuela dificulta até conhecer as tarifas aplicadas", nota ela. A CNI vem atualizando os dados comerciais, para orientar as conversas com a equipe de Chávez e espera que não se repita um problema dos anos anteriores, quando, a cada reunião, eram diferentes os representantes do lado venezuelano.

Pela experiência passada, e as ainda existentes resistências venezuelanas, seria um erro de Dilma deixar para os técnicos as negociações com a Venezuela, a menos que ela esteja desinteressada dos resultados comerciais possíveis com o novo sócio do Mercosul.

Detalhe curioso: como se sabe, a entrada da Venezuela se deu sem a necessária aprovação do Paraguai, suspenso do bloco, acusado de descumprir os compromissos democráticos do Mercosul. Os parlamentares paraguaios ameaçaram votar - contra - o protocolo de adesão da Venezuela, criando um fato consumado, mas voltaram atrás, na semana passada. Adiaram a votação, num sinal de que não pretendem queimar tão cedo as pontes que conduzem o país de volta ao bloco sul-americano.

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