sexta-feira, agosto 31, 2012

Tortuosos caminhos da política fiscal do PT - MAILSON DA NÓBREGA e FELIPE SALTO

FOLHA DE SP - 31/08


O PT desconstrói as conquistas nas finanças do Brasil, encontra meios de não incluir gastos com subsídios no Orçamento. O risco é acabarem endividando o país


Matéria do jornal "O Globo" ("FGTS sob ameaça", de 19 de agosto de 2012) e editorial do jornal "O Estado de S. Paulo" ("Uso indevido do FGTS", de 25 de agosto de 2012) suscitaram importante reflexão a respeito da contabilidade pública e dos riscos fiscais que se avizinham.

Segundo a reportagem do jornal carioca, o programa Minha Casa, Minha Vida -programa de habitação popular criado ao final do governo Lula- tem sido subsidiado com recursos do FGTS, em valores que já ultrapassam a diferença entre receitas e despesas do fundo.

Além de prejudicar a transparência das finanças públicas federais e das ações do governo nesta política legítima de habitação, a estratégia de imputar ao FGTS o ônus da concessão de subsídios crescentes não se compatibiliza com as melhores práticas fiscais.

Configura, na verdade, uma ação temerária em relação a um fundo que nas suas origens foi uma compensação para enfrentar resistências à extinção da garantia no emprego para os que trabalhassem mais de dez anos na mesma empresa. Os recursos se destinam, pois, a constituir uma reserva para a hipótese de demissão ou para saque no momento da aposentadoria.

Em 2009 e 2010, o governo passou a flexibilizar a austeridade fiscal, uma das pernas do tripé macroeconômico -isto é, do modelo de gestão macroeconômica consagrado na maioria dos países e construído em sua inteireza no governo FHC.

A prioridade migrou para ações ditas anticíclicas, que na verdade resultaram em ampliação generalizada da despesa, a ponto de abalar o cumprimento da meta fiscal.

Essa flexibilização compreendeu a utilização de receitas extraordinárias, abatimentos contábeis de gastos com investimentos (hoje, gastos do PAC, antigo Projeto Piloto de Investimentos), revisões de metas e outras medidas que desrespeitaram o sistema de controle da trajetória da relação endividamento/PIB.

Em 2011, o governo de Dilma Rousseff retomou a ideia de privilegiar maior austeridade fiscal. A meta de superávit primário de 3,1% do PIB foi cumprida, ao que parece menos por convicção e mais pelo objetivo de criar uma âncora para a estratégia de afrouxamento monetário empreendida pelo Banco Central.

Agora, com o agravamento da crise europeia e seus efeitos negativos sobre o crescimento brasileiro (nossa previsão é de 1,6% para este ano), corre-se o risco de uma retomada da flexibilização da austeridade fiscal. Para 2013, já prevemos um primário abaixo da meta, 2,6% do PIB.

Preocupa, assim, a revelação do uso de recursos do FGTS para prover subsídios. Como se sabe, o governo tem utilizado, nos últimos quatro anos, uma estratégia de suprimento de recursos do Tesouro para o BNDES, de modo a permitir a expansão de suas operações. Isso tem acarretado emissão de dívida pública de custo mais elevado do que o dos empréstimos do banco, o que constitui subsídio concedido sem legitimidade e sem transparência.

Em um sistema civilizado de finanças públicas, como se pretende para o Brasil, tais subsídios deveriam constar do Orçamento da União, mesmo que não se discuta sua oportunidade e conveniência. Tal política segue firme e forte.

O uso do FGTS para subsidiar o acesso à casa popular é mais um capítulo dessa desconstrução institucional das finanças públicas, paciente e trabalhosamente empreendida desde as reformas de 1986-1987, que permitiram a extinção da "conta de movimento" do Banco do Brasil, a extinção das funções de fomento do Banco Central e a unificação orçamentária, tudo coroado com a criação da Secretaria do Tesouro Nacional. A tudo isso se somou a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (2000).

Tal qual no caso do BNDES, o correto é incluir no Orçamento da União os recursos para os subsídios previstos no programa Minha Casa Minha Vida. Do contrário, estaremos deixando ao Executivo e à sua burocracia o poder de definir gastos públicos e, pior, à custa dos trabalhadores. Isso conspira não apenas contra a transparência que se exige da ação do governo, mas também contra a cidadania, a eficiência econômica e o potencial de crescimento.

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