domingo, agosto 12, 2012

Proust, indústria e engenheiros - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 1208

Queixas habituais de indústria e governo escondem incapacidade de melhorar tecnologia

A PRODUÇÃO da indústria está mais ou menos no mesmo nível de 2007 (na média deste ano em relação à média de 2007). Quase cinco anos. Capacidade ociosa não chama investimento. Não crescemos, entre outros motivos de curto prazo, porque não investimos.

A queixa habitual é um ímã para outros clichês: a indústria desanda devido a câmbio, imposto excessivo, energia cara. Clichês nem sempre mentem, mas são antolhos mentais. "O hábito é a coleira que prende o cão ao seu vômito", escreveu Samuel Beckett, sim, o escritor de Godot e coisas melhores. Tratava de Marcel Proust, mas passemos. Uma boa palavra vale por mil imagens.

É possível tirar os bodes do câmbio, do imposto etc. da sala? Não, pois não se trata de bodes que empesteiam apenas de passagem.

Mexe-se um pouco no câmbio, mas não podemos fazer muita coisa mais (sem provocar efeitos colaterais pesados).

Dá para reduzir um pouco de imposto aqui, outro ali, mas não muito mais enquanto gasto & dívida do governo continuarem o que são.

O governo talvez reduza um pouco da conta de luz das empresas. Mas, de novo, dessa pescaria vai sair mais lambari do que pacu.

O que é a nossa indústria, afora esses lastros indesejáveis? É capaz de inventar produtos, processos? Fala-se demais sobre a parte de fora da fábrica, pouco sobre o que se passa lá dentro. Ou de quem pode mudar o ambiente interno da indústria: centros de pesquisa aplicada.

Mesa de almoço, conversa informal, um colega coreano aqui nos EUA, engenheiro, pergunta o que queremos com a Foxconn (a gigante sino-taiwanesa que fabrica produtos da Apple no Brasil). O governo quer importar a Foxconn para fazer monitores mais avançados etc.

O colega coreano relembra que a Coreia não fez sua indústria com investimento estrangeiro ("eles não transferem tecnologia"). Copiou ("engenharia reversa") e criou institutos de pesquisa fora e dentro das empresas (como a Hyundai e a Samsung), importou engenheiros. O primeiro carro coreano foi projetado por britânicos importados.

A USP levaria uma década para formar os engenheiros que a Hyundai, coreana, ou a Huawei (chinesa de tecnologia de informação) empregam nos centros de pesquisa.

Colegas chineses riem simpáticos e irônicos quando a gente pergunta das queixas mundiais contra suas intervenções nos mercados. Num tom amigável, mas de quem explica enorme obviedade, contam que não fazem mais do que copiar métodos americanos históricos.

Concordam com os coreanos: não dá para confiar que multinacionais espalhem tecnologia no país em que aportam. Por isso as exigências draconianas dos chineses sobre transferência de tecnologia. Por isso o programa maciço de formação de engenheiros, uma das grandes metas do país para o futuro próximo.

A conversa do almoço não é novidade mesmo. É literatura acadêmica faz década e meia, pelo menos. Mas alguém ouve falar de importar ou produzir engenheiros e ciência por aí? Não custa lembrar: até nós já fizemos isso: Embrapa, Petrobras, Embraer.

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