segunda-feira, agosto 27, 2012

Mensalão e eleição nada a ver - GUILHERME FIÚZA

REVISTA ÉPOCA



O julgamento do mensalão começou muito bem, com exibições em grande estilo do procurador-geral, do re­lator e do revisor, com citações a Chico Buarque, Cazuza, Drummond, Fernando Pessoa e Camões. Já foi pedida a con­denação de alguns famosos vilões do escândalo, incluindo o diretor do Banco do Brasil que o Tribunal de Contas da União tentou proteger, num arranjo sombrio com o governo popular. O show, portanto, está ótimo. Pena que o eleitorado brasileiro não esteja assistindo.

A campanha para as eleições municipais 2012 começou como se o mensalão tivesse acontecido 50 anos antes de Cristo (ou de Lula, tanto faz). Candidatos em todo o país disputam o apoio do messias petista e se exibem ao lado dele no horário eleitoral gratuito - mostrando que, só em gravação de propaganda política, Lula trabalhou nos últimos meses mais do que o governo inteiro. No momento em que se julga o maior escândalo da história da República, envolvendo todos os homens do então presidente, os candidatos por ele apoiados vão muito bem, obrigado, nas intenções de voto.

O cenário eleitoral está tão tranquilo que até o mensaleiro João Paulo Cunha, considerado culpado pelo ministro relator Joaquim Barbosa - portanto, correndo o risco de ir preso -, é candidatíssimo a prefeito de Osasco, e não se esconde de ninguém. Se ele cair, não tem problema. A máquina de eleger gente está em grande forma, Lula e Dilma são os maiores cabos eleitorais da eleição, e o mensalão não vai atrapalhar mais um banho de urna em escala nacional.

A tomada dos municípios, como se sabe, sempre foi a base da indústria fisiológica do PT & simpatizantes. Às vezes, alguém atravessa o samba, como no assassinato do prefeito Celso Daniel, e aí o país lembra que a revolução companheira é feita de propina e lixo, ou vice-versa, e que não é seguro deixar os revolucionários sem receber. Mas logo depois escorre tudo para a pré-história, como se vê agora com o mensalão. Chega a ser comovente que um ex- presidente citado a todo momento no maior julgamento da corte suprema, com seu nome rodeado por golpistas e salafrários hospedados em seu grupo político, ressurja como estrela das próximas eleições.

Se tudo correr bem para as “forças populares” na votação de outubro, como a campanha já sugere, em 2014 o país poderá decidir seu rumo de acordo com a nova forma de alternância no poder: Dilma ou Lula.

Não será uma escolha tão difícil assim. Haverá debates profundos sobre qual dos dois é mais amigo de Hugo Chávez ou quem alcançará primeiro o populismo desvairado de Cristina Kirchner. Mas a essência é a mesma - como mostra a compra do apoio de Maluf para a candidatura Haddad, descrita em detalhes sórdidos por Luiza Erundina.

Por falar em Haddad, sua candidatura também já de­monstrou imunidade ao show do mensalão - apesar de urdida na marra por Lula, com supervisão de José Dirceu. Enquanto o assalto dos companheiros era cantado em prosa e verso pelos juizes do Supremo, o candidato do PT saiu da patinação e cresceu 50% graças à porção paulistana da “pátria-mãe tão distraída”.

Tão distraída que nem nota a relação entre a avacalhação do ano letivo nas universidades públicas e a gestão educacional do candidato a prefeito de São Paulo. No MEC, como se sabe, Fernando Haddad fez o que faz todo ministro do PT: política. Defendeu livros com erros de português para agradar ao povão, fez comícios sobre cotas para mi­norias, tentou emplacar um kit gay como pedagogia eleitoreira, mergulhou na cam­panha presidencial de Dilma, enquanto o Enem bagunçava a vida dos estudantes brasileiros - enfim, mostrou por A + B ser a pessoa certa para administrar a maior cidade do país.

Mas os méritos não são só dele. Dilma Rousseff tem sido elogiada até pela imprensa burguesa (que conspira contra o governo popular, como denunciou nosso Delúbio) na forma de enfrentar a greve nas universidades e no funcionalismo em geral. Dizem que, com Dilma, acabou a moleza para os sindicalistas. Se, com esse rigor todo, a população é chantageada pela Polícia Federal nos aeroportos e nas estradas, imagine como seria com a moleza.

Não adianta. O império dos coitados veio para ficar. E, com essas filas imensas, nem dá mais para dizer que a melhor saída é o aeroporto.

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