domingo, agosto 19, 2012

Dilma, desça do muro na Síria - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 19/08



Cara presidente, atrevo-me, pela primeira vez na vida, a dar um palpite sobre o que um governo deveria fazer, movido pelo fato de que a situação na Síria ultrapassou de longe todos os limites e, por isso, exige que desça do muro qualquer pessoa preocupada com o direito à vida, como você o é.

Imito sugestão feita aos líderes da Alemanha e da França para que tomem juntos um avião rumo a Moscou, para tentar convencer Vladimir Putin a deixar de bloquear iniciativas, quaisquer iniciativas, que possam fazer cessar a violência.

Eu, se fosse a senhora, tomaria um avião não para Moscou, mas para Ancara para juntar-se ao primeiro-ministro Recep Tayyp Erdogan e, aí sim, juntos, seguir para a Rússia. O gancho, como dizemos nas redações, acaba de ser dado pelo chanceler turco, Ahmet Davutoglu, ao dizer que o novo mediador da ONU para a crise síria, o argelino Lakhdar Brahimi, só terá alguma chance se houver consenso entre os membros do Conselho de Segurança.

Como você sabe, é Putin quem embarga o consenso, pelo seu inoxidável respaldo ao ditador sírio.

Antes de embarcar, Dilma, puxe da memória de seu computador os argumentos para uma intervenção da ONU. Seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou em 2005, com todos os líderes mundiais, um documento simplificado para R2P ("Responsibility to Protect").

Deixa claro que, "se um Estado é incapaz de proteger a sua população, ou é o perpetrador dos crimes, a comunidade internacional tem a responsabilidade de responder em tempo e de maneira decisiva por meio de um amplo leque de instrumentos diplomáticos, econômicos, humanitários e, se necessários, coercitivos" (cito William Pace, do Instituto para Política Global).

Que o Estado sírio cai na categoria de perpetrador de crimes lê-se no recentíssimo relatório de nosso conterrâneo, o inatacável Paulo Sérgio Pinheiro.

Ainda no seu arquivo, está documento que você mesma produziu, o da "Responsabilidade ao Proteger", que é um espécie de normatização da R2P, no qual fica claro que mandar tropas é a última das últimas instâncias, esgotados todos os outros instrumentos listados por Pace.

Esclareço que, para mim, tais recursos já se esgotaram, mas aceito a visão do Itamaraty de que ainda cabe esperar mais (espero que ainda sobrem sírios vivos e inteiros quando a diplomacia brasileira achar que é hora de endurecer, mesmo que seja sem perder a ternura).

Se, apesar de esses argumentos, você não convencer Putin, pelo menos demonstrará que o Brasil quer ser cachorro grande e não espectador passivo de um genocídio.

Livra-se de quebra de avaliações como a que Shlomo Ben Ami, ex-chanceler de Israel, hoje vice-presidente do Centro Internacional pela Paz (Espanha), fez para "El País":

"As mais importantes democracias emergentes, como Brasil, Índia e África do Sul, têm sido particularmente decepcionantes em sua reação ante a Primavera Árabe".

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