domingo, agosto 26, 2012

As coisas boas também acontecem - ELIO GASPARI

O GLOBO - 26/08


Numa trapaça do destino. Enquanto o Supremo Tribunal Federal julga o comissariado do mensalão, o ex-senador Luiz Estevão fez um acordo com a Viúva, devolvendo-lhe R$ 468 milhões. O doutor foi o primeiro senador a perder seu mandato e recorre de uma condenação a 36 anos de cadeia. Seu caso completou 12 anos. As sentenças do mensalão sairão depois de sete. A teoria da farsa, enunciada por Lula, parece estar a caminho do lixo.

Nem todos os malfeitores estão a caminho da cadeia, mas Demóstenes Torres perdeu o mandato. Passou-se o tempo em que um senador gravado quando extorquia um empresário era absolvido por seus pares. Pindorama não está perto de virar uma Finlândia, mas começa a vigorar na terra a Lei de Serpico, enunciada para a Polícia de Nova Iorque: "É o corrupto quem deve ter medo do honesto, e não o honesto quem deve ter medo do ladrão".

De Gaulle e Johnson em dois grandes livros

Estão na rede duas excepcionais biografias, capazes de iluminar um bom feriadão. Ambas saíram nos Estados Unidos. Uma, publicada há meses, é "The Passage of Power" ("A Passagem do Poder"), o quarto volume da monumental biografia do presidente americano Lyndon Johnson (1963-1969), de Robert Caro. A outra, que acaba de sair, é "The General" ("O General: Charles de Gaulle e a França que Ele Salvou"), do jornalista inglês Jonathan Fenby. O livro de Caro sai por US$ 14,99 e o de Fenby, por US$ 16,99.

Caro passou os últimos 38 anos pesquisando a vida de Johnson, está com 76 e ainda falta um volume. Mais que o retrato de uma alma torturada, é um tratado sobre o poder nos Estados Unidos. Com mais de 700 páginas, "The Passage of Power" cobre, com idas e voltas, os primeiros quatro meses do governo de Johnson, dos tiros de Dallas aos dias em que ele se tornou "Senhor de Washington", impondo-se numa Casa Branca hostil, aprovando leis sociais que seus antecessores haviam tentado votar, sem sucesso. O capítulo sobre o dia 22 de novembro de 1963 é uma obra-prima, descrevendo a transformação de um vice-presidente humilhado pelos Kennedy num mestre da premeditação e da objetividade. Quem se lembra da fotografia tomada dentro do Air Force One, quando ele jurou a Constituição, aprenderá que nada aconteceu ali por acaso, muito menos a presença de Jacqueline Kennedy ao lado de Johnson. (Na sua edição de novembro, a revista Piauí publicará esse capítulo.) A costura que permitiu a Johnson aprovar suas leis sociais é uma obra de gênio. Por causa da guerra do Vietnã, ele passou para a História como um presidente fracassado, mas fez o que poucos fizeram. Quando seus colaboradores duvidaram da viabilidade de sua ofensiva, perguntou: "E pra que diabo serve a Presidência?".

Johnson viveu atormentado pela visão do fracasso do pai e da pobreza da família. Chegou a presidente dos Estados Unidos e a cada dia duvidava de si. "The General" conta a vida de seu oposto. Aos 22 anos, o tenente Charles de Gaulle comportava-se como o general que salvaria a França. Robert Caro dormiu ao relento para sentir o que era a vida no interior do Texas, Fenby trabalhou com a documentação conhecida. Seu mérito foi desbastar parte da bajulação. "The General" é o retrato de um patriota ególatra numa época em que seu país precisava disso. (Só um ególatra trapaceia jogando paciência.) Em 1940, o coronel De Gaulle foi para a Inglaterra para comandar a rebelião do nada contra o Terceiro Reich levando na mala apenas duas calças e quatro camisas. Voltou quatro anos depois, convencendo os franceses e uma parte do mundo de que ganhara a guerra. Com 1,93 m, seu filho nunca o viu sair do quarto sem paletó e gravata. De Gaulle foi o maior dos megalomaníacos de seu tempo. Seus únicos momentos de ternura davam-se quando brincava com a filha Anne, uma menina que sofria da síndrome de Down e morreu em 1947, aos 20 anos. "Tia Yvonne", sua mulher, quis banir as minissaias. Era um exemplo de discrição e austeridade. O cozido do almoço virava sopa no jantar e almôndega no dia seguinte.

Com a grandeza da França na cabeça, De Gaulle governou-a de 1944 a 1946, retornou em 1958 na crista de um golpe político-militar. Subiu com a ajuda dos radicais do Exército e fritou-os. Redesenhou o Estado e a política do seu país.

Em 1968, o general confundiu os estudantes rebelados com "palhaços". Como acontecera a Luís XV, ficara fora de moda. Aos 78 anos, renunciou, deixando para trás uma nova França. Em novembro de 1970, visitando o túmulo de Anne, marcou o pedaço onde queria ser enterrado, sem inscrição além do seu nome. Uma semana depois, jogando paciência, sua aorta estourou e ele foi-se.

Em tempo: não está no livro de Fenby, mas De Gaule nunca disse que o Brasil não é um país sério. Quem repete essa falsa citação acha isso, mas se esconde atrás do general.

A luz do Sol

Para quem acha que as transmissões dos julgamentos do STF carnavalizam a Justiça, dando o exemplo da discrição da Corte Suprema dos Estados Unidos: nos anos 20 do século passado, o juiz James Clark McReynolds recusava-se a dirigir a palavra ao seu colega Louis Brandeis porque ele era judeu. Também abandonava a sessão se uma mulher ocupava a tribuna.

Se a televisão estivesse lá, o doutor seria capaz de fazer isso?

Cruz

O presidente da Souza Cruz, doutor Andrea Martini, precisa fazer uma reunião com seu departamento jurídico para avaliar a relação custo-benefício das ações em que se mete com os executivos aposentados da empresa, que se sentem tungados pela limitação de seus benefícios da assistência médica e hospitalar. Ele se chamava, com toda razão, "Plano da Rainha". Até 2005, os executivos aposentados e seus familiares levavam suas despesas à empresa, sendo reembolsados. Eram cerca de 130 pessoas que haviam trabalhado na empresa por mais de 20 anos.

Algum "çábio" transferiu os executivos para um plano privado. Em 2010, Bruno Aloysio Trasel, que trabalhara na Souza Cruz desde 1946, foi à Justiça. Ganhou e a empresa foi condenada a reembolsar despesas e a pagar R$ 15 mil por danos morais. Os doutores recorreram e, em julho passado, o Tribunal Regional do Trabalho da 4 Região dobrou o valor da indenização.

Em 2011, a Souza Cruz lucrou R$ 1,6 bilhão. Deve isso a quem trabalha nela. Não lhe fica bem confundir sua marca com litígios por mixarias em torno de um benefício que concedeu quando era generosa. Trasel morreu há alguns meses.

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