segunda-feira, agosto 13, 2012

A filha do mensalão - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA


O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da Repúbli­ca, Gilberto Carvalho, é uma figura muito importante para o Brasil. Os brasileiros gostam de sonhar com a purifi­cação de Dilma Rousseff, parindo teses quase diárias sobre a independência da presidente em relação a Lula. Toda hora alguém descobre que Dilma é diferente, que não transige com os métodos do padrinho, que não admite os contraban­dos éticos da ideologia companheira etc. Aí surge o ministro intocável para despertar esse povo crédulo de seus doces de­lírios. Gilberto Carvalho é a partícula de Deus do lulismo, a prova científica da matéria lulista em Dilma.

E, quando o Brasil se esquece desse fato, o próprio Gil­berto Carvalho se encarrega de lembrá-lo. Tudo ia muito bem para o governo Dilma no julgamento do mensalão, com a opinião pública olhando para os réus do valerioduto como se aquilo fosse uma história de época, um filme de Máfia sobre um passado que passou. Foi quando surgiu a voz sensata de Carvalho para avisar: “Quem aposta no desgaste do governo (com o julgamen­to do mensalão) vai se decepcionar!”. Pronto. Ali estava o bóson de Higgs do governo popular se entregando no inconfundível estilo petista - fazendo o pênalti e depois levantando os bra­ços para dizer: “Não fui eu”.

Os braços levantados do zaguei­ro Carvalho, com seus dez anos de palácio unificando os gabinetes de Lula e Dilma, falam mais que mil palavras. Mas ele fez questão de ser didático. Comparando a repercussão atual do julgamento com a do escândalo em 2005, ele lembrou: no que “baixou a poeira do debate político”, o povo apoiou “o processo”, reelegendo Lula em 2006 e elegendo Dilma em 2010. Estava mais do que na hora de alguém gritar que “o processo” de Lula e Dilma é o mesmo, inclusive na testada e aprovada capa­cidade de ganhar eleições e manter a popularidade alta apesar das trampolinagens.

A mensagem de Carvalho ao país é muito rica. Con­tém alta carga conceituai, mas pelo menos uma tradução bem simples pode ser feita: percam as esperanças de nos desmascarar, porque o eleitorado não está nem aí para os nossos esquemas parasitários.

O brado do ministro da Secretaria-Geral da Presidência foi ouvido, coincidentemente, depois da apresentação da defesa de José Dirceu no Supremo Tribunal Federal. O advogado do ex-ministro, acusado de ser chefe da qua­drilha, lembrou que Dilma, quando ouvida no processo, proferiu um nada-consta sobre Dirceu quanto a seu tráfico de influência nos bancos do mensalão. Um sutil gesto de solidariedade com o companheiro de armas que, no pre­sente momento, poderia soar comprometedor - se a plateia fizesse um pequeno esforço para lembrar que a venerável dama de ferro não veio de Marte.

Dilma veio, precisamente, do planeta Dirceu. Sua as­censão à Casa Civil foi articulada pelo próprio, no exato momento em que ele caía em desgraça com o estouro do escândalo. Dilma é, portanto, filha do mensalão. E fez ques­tão, em plena cerimônia de posse, de mostrar lealdade ao antecessor que afundava com as revelações sobre o valerio­duto. Só a opinião pública consegue separar a presidente do grupo em julgamento no Supremo - separação que nem ela mesma jamais fez.

Os quase 80% que aprovam Dilma Rousseff de olhos fechados (e bem fecha­dos) devem considerar mera coincidência as companhias que a afilhada de Dirceu cultiva em sua trajetória gerencial: Ereni- ce Guerra, os consultores Antonio Palocci e Fernando Pimentel (este ainda pendu­rado no governo graças à grande gesto- ra-amiga) e outros filhos do “processo” Lula-Dilma que ficaram pelo caminho, como Orlando Silva, Carlos Lupi e grande elenco parasitário - todos parentes políticos da grande família de mensaleiros e aloprados, com os quais a presidente, Deus a livre, não tem nada a ver.

Quem tiver dúvidas, preste atenção às palavras do minis­tro Carvalho encerrando o assunto: “A presidenta Dilma nos deu a orientação de seguirmos trabalhando rigorosamente, seguindo nossa tarefa de governo, numa atitude semelhante à que o presidente Lula já tomara em 2005”. Como se vê, o “processo”, “esquema” ou como se queira chamar esse caso de polícia com fantasia de revolução é exatamente o mesmo há dez anos. Marque o pênalti, seu juiz.

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