terça-feira, julho 10, 2012

O valor da confiança - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 10/07


A grande crise econômica em curso tem, como se sabe, uma variante econômica e outra financeira. Elas se combinam de modo simbiótico, de tal forma que o nível de atividades - melhor dizendo, suas perspectivas - influencia o comportamento das finanças. E este, de seu lado, produz impactos decisivos no desempenho dos negócios. Não poderia ser diferente numa economia global financeirizada, como a que foi construída nas últimas quatro décadas.

Ter essa realidade em mente permite entender que, enquanto o sistema bancário financeiro não recuperar a credibilidade perdida em diversos episódios de manipulação de mercado, que vieram à tona na esteira do desmoronamento dos esquemas de investimento em ativos subprime, não haverá hipótese de recuperação econômica sustentável.

É nesse sentido que o caso da manipulação da taxa interbancária de Londres, revelado em fins de junho, engrossa o caldo indigesto das fraudes que ajudaram a tornar esta crise um episódio moral peculiar na alentada história das crises econômicas.

Os observadores mais agudos já se deram conta de que a manipulação da Libor (London inter-bank offered rate), ocorrida pelo menos entre 2005 e 2009, cujo impacto negativo ainda se restringe ao mercado inglês e ao banco inglês Barclays, tem potencial para se espalhar e contaminar outros centros, claro que não na proporção e na intensidade da quebra do Lehman Brothers, mas com efeitos nada desprezíveis.

Não seria por falta de outros assuntos que a famosa The Economist dedicou seis páginas da edição desta semana - um editorial, uma coluna opinativa e a reportagem de abertura da revista - ao Libor scandal.

Taxa de referência mais usada em todo o mundo, a Libor é a base dos juros aplicados aos mais variados contratos financeiros - da mais complexa operação de derivativos às simples taxas cobradas nos cartões de crédito.

Ela estaria presente em instrumentos financeiros que, ao redor do mundo, envolveriam quantias estimadas no mínimo em US$ 500 trilhões. A Libor, em resumo, afeta todo mundo.

Com seus três séculos de existência, o vetusto Barclays é apenas o primeiro entre os bancos sob investigação, mas o número total deles pode chegar a duas dezenas entre os maiores do mundo, não só no Reino Unido, mas também nos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Suíça e Japão. Gigantes como Citigroup, JP Morgan Chase, UBS, Deutsche Bank e HSBC estão na roda.

O escândalo, que já resultou na renúncia dos três principais dirigentes do Barclays, consistia em manipular a Libor para baixo, com o objetivo de dar a falsa impressão de que o mercado de financiamento interbancário não apresentava problemas de liquidez ou solvência, pouco antes e no período mais agudo da crise financeira. A prática era possível pelo método de cálculo da Libor, mas, como as investigações começam a apontar, não teria êxito sem a participação de outros bancos e a conivência do Banco da Inglaterra e de órgãos reguladores.

Com crescente importância para as finanças internacionais a partir de fins dos anos 60, a Libor é formada, diariamente, com base numa amostra de taxas declaradas que serão pagas em operações relevantes, no dia, por uma dúzia e meia de grandes bancos. Do conjunto enviado a um painel, são eliminadas as 25% taxas mais altas e as 25% mais baixas, calculando-se então a média das 50% restantes.

O problema é que o sistema de cálculo prevê a utilização da taxa declarada pela instituição - não a que efetivamente será paga. A presunção era a de que os bancos diziam a verdade e que, enfim, um fiscalizava o outro. Na fórmula atual, está claro, a Libor é um morto-vivo.

Uma das consequências esperadas para as fraudes com a Libor, além da mudança na fórmula de cálculo, é uma enxurrada de ações de perdas e danos da parte de investidores que se sintam lesados. Já há quem esteja prevendo, como ressalta a Economist, um grave "momento tabaco" para os bancos, referência às milhares de ações de fumantes contra a indústria de tabaco americana, em fins da década de 90. Para os bancos, pode ser muito pior.

Mais importantes do que os custos pecuniários da fraude serão as consequências institucionais. Afetados pelas ações judiciais em sua parte mais sensível - os ganhos do negócio -, os bancos e seus dirigentes talvez possam entender com mais facilidade que sem a confiança de seus clientes eles valem muito pouco.

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