quinta-feira, julho 05, 2012

A Europa nordestina - JORGE FELIX


O GLOBO - 05/07

No debate econômico sobre a solução para a crise mundial, sobretudo na Europa, causa espanto a surpresa com a falência do receituário da austeridade fiscal. Foram necessários quatro anos para o mainstream da economia global dar sinais de convencimento do fracasso daquelas medidas. Surpresa porque, em 2001, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) haviam feito um diagnóstico preciso dos desafios para o crescimento de suas economias nas décadas seguintes diante do inexorável envelhecimento de suas populações. O relatório "Envelhecimento e políticas de emprego", com estudo detalhado da situação demográfica e do mercado de trabalho de 21 países, foi publicado à época em vários idiomas. Um trabalho de fôlego e, certamente, muito caro. No entanto, por incrível que pareça, ao estourar a bolha financeira, tudo o que está escrito ali foi ignorado pelos países-autores ao enfrentarem a crise. Talvez valha aqui um alerta em meio às discussões de êxito - ou não - da Rio+20, já que exemplos como este colocam em xeque o modelo adotado pelos organismos multilaterais para encontrar soluções para os problemas do planeta.

Bastava uma leitura nessa espécie de "documento final" para se perceber que seria impossível garantir uma retomada da economia, sobretudo em situação de crise, com os desafios suscitados pela dinâmica da demografia. O foco do estudo da OCDE era o mercado de trabalho para os indivíduos com mais de 50 anos - idade na qual a taxa de empregabilidade começa a baixar em todos os países estudados. Considerava-se impossível obter a sustentabilidade da economia e o equilíbrio das contas públicas sem a adoção de incentivos para esse segmento populacional no mercado de trabalho europeu.

O estudo denunciava uma idade média baixa de aposentadoria. Mas destaca-se que os trabalhadores com mais de 50 anos na Espanha, por exemplo, registravam uma empregabilidade dez pontos percentuais abaixo da média da OCDE. O mesmo problema enfrentavam França, Portugal e Itália. Ou seja, quem se aposenta se aposenta cedo, mas muitos nunca atendem às regras de elegibilidade para o benefício devido ao desemprego. As medidas em busca de um equilíbrio, de acordo com os pesquisadores, deveriam ser um processo de longo prazo. Jamais adotadas de forma imediatista. Campanhas de comunicação, aposentadoria flexível, redução da jornada, estímulo fiscal às empresas para empregarem também os cinquentenários eram algumas das recomendações da OCDE. Era fundamental evitar a ideia de aumento da vulnerabilidade na velhice.

A história explica a cautela. A Europa constituiu-se promissora naqueles anos denominados por Jean Fourastié como "gloriosos" (1946-1975) devido ao Estado previdenciário. Ele garantiu a pujança econômica no pós-guerra. Foi, inclusive, como alerta o historiador Tony Judt muito além da previdência invadindo a área dos subsídios. Pode-se discuti-lo ou atacá-lo ("Estado babá"), mas em nenhuma hipótese, ao adotar políticas, deve-se ignorá-lo. Foi esse o pecado das medidas de austeridade . Pior: desprezou-se o fato de o Estado previdenciário, no século XXI, sustentar uma Europa muito mais grisalha e que transferia esses recursos para o custeio da mão de obra futura.

A Alemanha, um dos três países mais envelhecidos do planeta, encontrou soluções inovadoras para seu desafio demográfico - como um sistema educacional dirigido à produtividade - mas optou por impor receitas clássicas, agora, incompatíveis com a demografia de seus vizinhos. Sem chance de sucesso. O envelhecimento da população fez da Europa uma espécie de Nordeste brasileiro, onde em mais de 70% das cidades o repasse da Previdência é maior do que o percentual a que fazem jus no Fundo de Participação de Estados e Municípios. Seria impossível imaginar o corte desses recursos de uma hora para outra como solução para qualquer crise. Ao contrário, o que deu músculos para o mercado interno brasileiro foi a política de aumento do salário mínimo com reflexo direto na renda daquela população.

Ao ameaçar a desconstrução da Europa nordestina, o receituário da austeridade ignorou a demografia e acabou por agudizar uma característica típica do segmento idoso: a baixíssima propensão ao consumo.


JORGE FELIX é jornalista e pesquisador da PUC-SP.

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