segunda-feira, julho 16, 2012

Eu não acredito em duendes - ROBERTO ZENTGRAF


O GLOBO - 16/07

Por conta do que publiquei na semana passada - dicas para combater o descontrole financeiro -, houve quem me solicitasse a continuação do tema, agora abordando o que julgo mais difícil de implementar, ou seja: o reequilíbrio do próprio orçamento. Tarefa nada trivial já que, para isso, é preciso, antes de tudo, que aceitemos mudanças de hábitos e atitudes há muito incorporadas em nosso cotidiano, não é mesmo, meu querido leitor?

Não vejo grandes alternativas a este reequilíbrio, principalmente para aqueles que, mesmo dando prioridade a suas vidas presentes, mantêm olhos atentos no futuro. Como se programar diante do novo quadro de juros baixos (a Selic foi para 8% ao ano e já se fala em 7% para o fim de 2012) tem que estar na agenda do dia. Veja se não tenho razão.

1. Despesas Financeiras: Acreditar que a redução da Selic reduzirá as taxas cobradas nos empréstimos é exagerar no otimismo ou até mesmo contrariar os fatos: pesquisa da Anefac revela que, por conta da crise e da inadimplência, as taxas das operações de crédito voltaram a subir em junho, após quatro meses em queda (O Globo, 13/7/2012). Conclusão: o crédito ainda continua muito caro, salvo em algumas linhas específicas, como a do financiamento imobiliário. De resto, o cheque especial ou o cartão continuam a sangrar orçamentos.

2. Rendimentos Financeiros: Com a Selic mais baixa, tanto a poupança quanto os fundos de investimento (renda fixa e DI) continuarão sua trajetória de redução de rentabilidade; permanecer desatento a esta mudança é encrenca certa em seu futuro. Exemplifico: em 2010, com a Selic a 10,75% recebíamos juros reais (descontados da inflação) de 6,25% ao ano, o que permitiria em 20 anos mais do que triplicar um depósito feito nestas condições (R$ 1.000 virariam R$ 3.362) ou em 30, mais do que sextuplicá-lo (R$ 1.000 virariam R$ 6.164). No atual cenário, admitindo juros reais a 2% ao ano, os mesmos R$ 1.000 virarão R$ 1.486 em 20 ou R$ 1.811 em 30 anos. Conclusão: levar o dinheiro para o futuro ficou mais difícil.

3. Esforço de poupar: Diante do novo cenário, restam, portanto algumas opções, caso se queira acumular o que foi desejado na época dos juros altos: (a) aceitar maior risco das aplicações, financeiras ou não; (b) poupar por um período maior de tempo - muito maior, diga-se; (c) aumentar substancialmente a sobra mensal para fazer frente ao novo padrão. Talvez o ideal seja combinar as três alternativas apresentadas, já que isoladamente elas nos levam à mais pura fantasia. E, como citei no título, eu não acredito em duendes, e você? Como ilustrativo, perceba que para acumularmos os R$ 3.362 citados, precisaríamos isoladamente que: (a) a Bovespa chegasse aos 182 mil pontos em 20 anos, fora a inflação (será que chega?) ou (b) os R$ 1.000 ficassem aplicados (2% aa) por quase 62 anos (nos lembraremos das senhas?) ou (c) aumentássemos a aplicação de R$ 1.000 para R$ 2.263 (teremos dinheiro para isso?).

Os exemplos mostram resultados para um único depósito, mas o conceito se aplica para sobras periódicas. Supondo que você, assim como eu, viva no mundo real, uma estratégia que vença os desafios apontados passará necessariamente pelo ajuste no padrão de consumo, tema para um futuro artigo.

Um grande abraço e até a próxima semana!

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