quarta-feira, julho 04, 2012
Democracia vs. pilantragem - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 04/07
As denúncias publicadas pelo Estado desde o último domingo, de que vereadores paulistanos têm fraudado o painel eletrônico da Câmara e também a lista de presença divulgada pela internet, para garantir votos e presença quando estão ausentes do plenário, levaram o presidente da Casa, vereador José Police Neto, depois de alguma insistência de nossos repórteres, a finalmente se manifestar sobre o assunto. Talvez tivesse sido melhor manter-se calado. Em entrevista veiculada na segunda-feira, garantiu que "a Mesa Diretora fará a apuração preliminar, até para ver se é caso de afastar os servidores", mas procurou minimizar a gravidade do escândalo. Para Police Neto, os vereadores fazem o que o regulamento da Casa permite e "isso faz parte da democracia".
A democracia não é, de fato, um sistema político perfeito e acabado, pela razão óbvia de que está sujeita à imperfeição humana. Uma de suas principais características, por isso mesmo, é ser um sistema aberto ao constante aperfeiçoamento de suas práticas. E é assim que os homens de bem procuram aproveitar essa condição. Mas há também os que preferem usá-la como desculpa para malfeitos. São os demagogos e os mal-intencionados. Ser incluído nessa categoria é o risco a que se expõe o jovem presidente da Câmara Municipal com seu contorcionismo político para não desagradar a ninguém diante do escândalo que o cerca.
A polícia civil e o Ministério Público, menos tolerantes que o presidente da Câmara, já estão investigando as fraudes no painel eletrônico. De fato, nada justifica ou ameniza a burla praticada pelos vereadores paulistanos e amplamente demonstrada pelo meticuloso trabalho dos repórteres deste jornal. Em três semanas de trabalho, durante as quais aconteceram 20 sessões plenárias, os jornalistas flagraram pelo menos 17 dos 55 parlamentares fraudando o painel eletrônico da Câmara com a ajuda de servidores da Casa, principalmente o veterano assessor parlamentar José Luiz dos Santos, conhecido como Zé Careca, chefe da equipe que controla o painel eletrônico. De seu posto, a menos de dois metros daquele ocupado pelo presidente da Mesa Diretora, Zé Careca foi fotografado registrando no painel eletrônico, por meio do terminal que tem em sua própria mesa, a presença de vereadores ausentes do plenário. Para tanto, manipula um terminal que deveria ser usado exclusivamente pelos vereadores, inclusive digitando as senhas pessoais de cada um deles.
Vereadores encarregam servidores da Câmara de registrar sua presença em sessões plenárias a que não comparecem para evitar o desconto na folha de pagamento de R$ 465 por sessão. E para facilitar a vida dos parlamentares que por qualquer razão prefiram fazer outra coisa, dentro ou fora da Câmara, no horário das sessões, existem dois terminais fora do plenário.
É óbvio que os vereadores têm muito o que fazer, além de participar das sessões plenárias, para cumprir suas obrigações de representantes dos munícipes. Mas é óbvio também que a presença nas sessões é uma obrigação. Não há outra explicação para o fato de o Regimento da Casa impor aos faltosos a penalidade do desconto na folha de pagamento. Regulamentos existem para ser cumpridos, principalmente por aqueles a quem, na condição de homens públicos, cabe dar bom exemplo.
Se o regulamento, como se alega, é excessivamente rigoroso em suas exigências, os vereadores têm, mais que o direito, o dever de reformá-lo. Manter as coisas como são apenas para salvar as aparências é hipocrisia. Ou deslavado cinismo, como demonstrou o vereador Agnaldo Timóteo ao ser questionado pela reportagem pelo fato de seu nome ter sido marcado no painel antes de sua chegada ao recinto. Ele havia digitado sua senha num terminal fora do plenário: "Essa pergunta é absurda. Se você não tem o que fazer, que procure".
Como as decisões a respeito de muitas matérias de menor importância são tomadas por votação simbólica, por acordos de lideranças, a presença maciça de parlamentares em plenário não é essencial nesses casos. Cabe, portanto, a cada um decidir se deve ou não estar presente e assumir as consequências de sua decisão. Trapacear regulamentos não é coisa da democracia. É coisa de pilantra.
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