terça-feira, julho 17, 2012

Consumidor confuso, lucro fácil - PEDRO RUBIM BORGES FORTES


O Globo - 17/07


Diante do clichê de que vivemos em uma era da informação, parece inusitada a ideia de que as novas tecnologias possam ser utilizadas mais para confundir, do que para explicar. Não raro, as promotorias do consumidor enfrentam o risco da incompreensão ao se insurgir contra o emprego de inovações científicas.

É importante reproduzir o alerta de pensadores como Jurgen Habermas e Boaventura Souza Santos, que nos lembram que o cientificismo e o elogio à tecnologia não podem esvaziar a ideia de justiça e a necessidade de preservação dos valores humanos. Afinal de contas, também vivemos numa era de direitos.

No caso dos medidores digitais de energia, por exemplo, a Aneel editou um regulamento em que concede liberdade ampla e irrestrita para as concessionárias definirem seus investimentos em tecnologia digital e o tipo de medidores. Ao invés de estabelecer um marco regulatório detalhado, assegurando a observância do Código do Consumidor, a Aneel delegou a prerrogativa indelegável de controlar a tecnologia às distribuidoras.

Esta omissão permitiu que os relógios domiciliares fossem substituídos por medidores digitais em postes, alienando o consumidor do controle do consumo. A elevação do preço das contas e a exigência de pagamento sob pena de corte de luz aumentaram a vulnerabilidade dos usuários. O marco regulatório é fundamental para proteger os direitos dos consumidores.

Na área de telecomunicações, é comum que o consumidor receba ofertas de novos pacotes por telefone. Nas conversas telefônicas, vantagens são realçadas e limitações são omitidas. O consumidor não é alertado sobre cláusula de fidelização, eleição de foro ou restrição de performance a 10% do contratado. A Anatel exige que os contratos específicos sejam enviados ao consumidor, no prazo de cinco dias.

Por se tratar de uma contratação feita à distância, é dado ao consumidor o direito de desistência a partir do recebimento do contrato. Na prática, as empresas descumprem a regra e apenas avisam que há uma cópia do contrato no seu site. Ora, se precisar ingressar na Justiça, o consumidor não tem como demonstrar os termos de seu contrato de serviços, nem se proteger de uma alteração unilateral lesiva.

No caso das instituições financeiras, a tradicional remessa do extrato bancário pelo correio agora é cobrada. A alternativa de extrair o documento nos caixas eletrônicos é insuficiente porque o papel é sensível a luz e os dados serão perdidos. O uso de internet banking também é limitado em um país que ainda enfrenta a exclusão digital. Inúmeros consumidores pagam a malfadada "tarifa de extrato bancário" para assegurar seu acesso à informação.

Outros clientes bancários simplesmente abriram mão deste direito para evitar a cobrança. Os bancos justificam a medida por minimização de papel, mas é a maximização do papel-moeda que explica melhor a questão. Os lucros aumentam com a arrecadação da tarifa e a ignorância do cliente induz certo descontrole da conta pessoal.

O Banco Central lamentavelmente protege, neste caso, os interesses dos bancos em detrimento dos direitos dos consumidores, deixando de proibir a tarifa abusiva.

Enfim, a tecnologia é aspecto inevitável da vida contemporânea e tem sido um importante instrumento de empoderamento individual. Informação é certamente uma fonte de poder. As intervenções do Ministério Público não pretendem impedir o progresso, mas evidenciar o lado obscuro de certas inovações tecnológicas.

A vulnerabilidade do consumidor, exposto a relações assimétricas de poder e de informação com as empresas, justifica o combate à tecnologia da desinformação.

A sociedade deve estar atenta e cobrar das agências reguladoras uma postura mais firme na defesa do direito à informação dos consumidores.

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