quinta-feira, julho 19, 2012

Assad, "game over" (ou quase) - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 19/07


Iminência do fim de mais uma ditadura expõe a pusilanimidade da posição brasileira


Mudou dramaticamente o jogo na Síria. Até o fim de semana, a dúvida era saber quantos mortos mais a ditadura de Bashar Assad empilharia pelo país. Depois que a guerra chegou a Damasco e, particularmente, depois do atentado de ontem que matou três homens do círculo íntimo do regime, "a questão relevante não é mais saber se o regime vai cair, mas quando e, mais importante ainda, como", escreve Steven Heydemann, conselheiro do Instituto para Iniciativas de Paz no Oriente Médio dos Estados Unidos, no sítio da "Foreign Policy".

Reforça Rula Amin, que faz notável cobertura da região para a Al Jazeera: "Para muitos sírios, isto [o atentado de ontem] é o começo do fim". A jornalista prevê, ademais, que "mais e mais pessoas tentarão pular do que agora está parecendo mais e mais um barco que afunda".

Como é óbvio, ninguém está em condições de prever o momento em que a ditadura ruirá, mas, como assinala Heydemann, "há crescentes indicações de que governos que se opõem ao regime Assad, e mesmo aqueles que ainda o respaldam, estão crescentemente preocupados em como gerenciar o fim do jogo na Síria e proteger seus interesse na era pós-Assad".

O Brasil não parece estar entre esses governos, até porque sua pusilanimidade no caso sírio tende a deixá-lo agora como ator ainda mais marginal.

Antes de falar mais sobre a posição brasileira, uma aula básica de realismo dada por Rami Khouri, da Universidade Americana de Beirute, entrevistado pela Al Jazeera: "Os russos são uma grande potência. Vidas, dinheiro, alianças, respeito -tudo isso é negociável para eles, assim como o é para os norte-americanos".

Bingo. Para o Brasil, que não é grande potência, vidas e direitos humanos teriam que ser inegociáveis. Opor-se, portanto, dura e firmemente a quem matava sírios em quantidades industriais teria que ser o eixo de qualquer atuação coerente com a definição da presidente Dilma Rousseff de que direitos humanos estariam no centro de sua política externa.

O Brasil talvez não pudesse mesmo fazer grande coisa na Síria, mas poderia pelo menos seguir a Turquia, com a qual orgulha-se de ter contatos permanentes e uma razoável coordenação.

A Turquia não só pediu a saída de Assad, logo no início da revolta, como, depois, deu via livre à oposição síria para usar seu território como santuário.

Como o Brasil não poderia oferecer território, como é óbvio, a sua retórica, a única arma ao alcance de países remotos, não poderia ter esperado 17 mil cadáveres para endurecer com Assad.

A Turquia será seguramente um ator relevante no pós-Assad, cuja queda tende a alterar o xadrez em todo o grande Oriente Médio.

O Brasil, ao contrário, tende à irrelevância, para alegria dos que criticaram o que consideravam ativismo excessivo da diplomacia do presidente Lula. Como potência emergente -mais emergente que potência, por enquanto-, o Brasil deveria, sim, ter interesses no mundo todo, ainda mais que seu poder é "soft", sem os interesses negociáveis das grandes potências.

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