domingo, junho 17, 2012

Um piscar de olhos - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 17/06


Tive uma idéia para um curta. Começaria em um close de dois olhos, que piscariam. E só.

Tive uma ideia para um filme de curta-metragem. Começaria com um close de dois olhos, que piscariam. E só. O resto do filme seria tomado pelos créditos, ou o que nós do ramo chamamos de roll-up. Assim:

Escrito e dirigido por Luis Fernando Verissimo.

Baseado livremente em Critica da Razão Pura, de Immanuel Kant.

Produzido com recursos das leis de incentivo fiscal (todas) do BNDE, do Ministério da Cultura e, suspeita-se, do Carlinhos Cachoeira.

Os produtores desejam agradecer (ironicamente) à Gerdau e à Petrobras por não terem dado um tostão para o filme. Vocês serão lembrados na entrega dos Oscars.

Os produtores desejam agradecer a seus familiares o colírio e o rímel gentilmente doados, assim como aos amigos o fornecimento de pizzas e refrigerantes durante a filmagem, além do apoio moral.

Atores convidados:

Brad Pitt, Mariana Ximenez, Meryl Streep, Anthony Hopkins, Shakira, Clint Eastwood, Penelope Cruz, Selton Melo, Wagner Moura, Rita Cadilac, Mat Damon, Claudia Raia, Shreck E Cristopher Plummer. (Nenhum aceitou o convite.)

Em breve: Um Piscar de Olhos – Parte II.

Breve em DVD : Um Piscar de Olhos – The Director´s Cut.

O diretor aceita debater o filme com os críticos, desde que ninguém vá armado.

Na verdade este seria o meu segundo filme. Fiz o primeiro quando tinha uns nove anos e arranjei uma caixa de charutos vazia. Entre parênteses: ninguém, entre os meus parentes, fumava charutos. Não sei como consegui a caixa. Que, a começar pelo seu cheiro, era um manancial de prazeres.

Decidi fazer da minha caixa de charutos um projetor. Consegui – também não me lembro como – uma lente e abri um buraco na lateral da caixa para colocá-la. Atrás da lente iria uma fonte de luz. Depois de muito pensar decidi que uma vela bastaria para projetar o filme. A alternativa seria uma lâmpada mas isto envolveria um fio, uma tomada e uma boa explicação quando descobrissem que eu tinha roubado a lâmpada de um abajur da sala. A vela era primitiva mas faria o serviço, lançando na parede através da lente o filme que passaria de um rolo a outro (também improvisados).

E dediquei-me, então, ao principal. O filme. Seria uma tira de papel de seda em que eu desenharia, quadro a quadro, uma história passada no Velho Oeste americano, com caubóis, cavalos, bandidos, índios, nenhuma mulher e muitos tiros. A duração do filme dependeria da velocidade com que eu acionasse os rolos, mas não havia papel de seda para mais de cinco minutos – o que limitava criatividade do roteirista.

Quantos bandidos e índios seria possível matar em cinco minutos?

Aconteceu o inevitável. Mal começou a projeção do filme pronto, no primeiro quadro, o papel de seda pegou fogo. Em pouco tempo a caixa de charutos também ardia. Cheguei a ver uma imagem fugidia projetada na parede antes do holocausto – o meu projetor funcionara! Por dois segundos, funcionara. Acho que nunca mais tive uma sensação igual à daqueles dois segundos.

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