sexta-feira, junho 08, 2012

Real crise europeia: falta de poder - MOISÉS NAÍM

FOLHA DE SP - 08/06


A crise econômica segue na Europa porque não existe nenhum líder hoje que tenha poder para contê-la

Por que a crise europeia continua a se agravar e se prolongar? Por ignorância? Concentração excessiva do poder nas mãos de poucos? Por que os que deveriam tomar decisões não têm poder para tanto? Creio que a resposta seja uma diabólica combinação desses três fatores.
Ignorância. Nem os governos nem os especialistas estão de acordo quanto ao que fazer. A segurança com a qual economistas famosos recomendam como os governos deveriam agir contrasta com os erros de suas previsões e interpretações, antes e durante a crise.
Andrew Lo, economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, publicou uma resenha na qual compara os 21 livros mais influentes sobre a crise. A conclusão: "Desse amplo e contraditório conjunto de interpretações não emerge uma narrativa única; a grande variedade de conclusões... enfatiza a desesperada necessidade de que os economistas profissionais cheguem a acordo sobre um conjunto de dados comum, com base no qual seja possível construir inferências e narrativas mais precisas".
Se nem os melhores economistas conseguem chegar a acordo sobre os fatos e os dados relevantes quanto à crise, não deveríamos nos surpreender que tampouco estejam de acordo quanto ao que fazer para sair dela. Mas eles não se deixam abalar. A crise revelou que a arrogância intelectual é um dos riscos ocupacionais dos economistas.
Poder demais nas mãos de poucos. A política tem muito a ver com o que está acontecendo, e falar de política é falar de poder. Alguns poucos governos e instituições financeiras evidentemente ganharam muito poder. Angela Merkel, por exemplo. Ou o Banco Central Europeu (BCE). Ou os grandes fundos de hedge e bancos.
Mas esse grande poder até agora não vem sendo suficiente para impor soluções. Serve apenas para frear as iniciativas que não lhes convêm ou para explorar as oportunidades criadas pela crise.
Merkel e a Alemanha não têm o poder para manter sua posição, e os grandes bancos podem apenas reagir. A capacidade de decisão da Europa está estrangulada pela multiplicidade de centros de poder com capacidade de vetar decisões.
Poder de menos nas mãos de muitos. Um aspecto paradoxal e contraditório do poder em nosso tempo é sua escassez, precariedade e transitoriedade. Mesmo os mais poderosos encontram fortes limitações para exercê-lo. E além disso o perdem com frequência inusitada, sendo substituídos por rivais, colegas ou surpresas que surgem subitamente. Repito: nem a poderosa Merkel pode fazer tudo que deseja.
Suas opções são limitadas por uma miríade de micropoderes que não têm força para impor seus desejos, mas podem limitar os dos poderosos. Nem os líderes das finanças podem dormir tranquilos, supondo que seus cargos e instituições estejam à salvo da turbulência.
O poder está muito fragmentado, e a crise europeia é prova clara. Até mesmo aqueles que têm mais poder só podem influir de maneira tênue e indireta em sua evolução. A crise segue porque na Europa não existe quem tenha poder para contê-la.
Tradução de Paulo Migliacci

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