terça-feira, junho 05, 2012

Quem criou, cuide - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 05/06


A política entrou esses dias na fase "cada um que trate do seu problema". Lula, da campanha de Fernando Haddad; Fernando Cavendish, da Delta; e os governadores, dos malfeitos em seus estados
Há alguns meses, os petistas cantavam, todos contentes, que o palanque de Fernando Haddad logo seria encorpado com o PR. Em janeiro, por exemplo, quando ainda não tinham a menor chance de conquistar o PSB ou o PCdoB, tudo estava certo para que o PR entrasse na campanha de Haddad pela prefeitura de São Paulo, conforme informavam seus caciques em Brasília. Passados alguns meses, o PR fecha com José Serra, do PSDB. Nos bastidores, os petistas desdenham, dizendo que não faz falta o partido do ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento e de Valdemar Costa Neto, réu no mensalão do PT. Há quem diga que é porque o PT não quis pagar o preço de escolher um integrante do PR para vice de Haddad. Pode até ser. Mas o fato mais relevante de janeiro para cá foi que Haddad, por mais que se esforçasse, não saiu do lugar. 
De janeiro para cá, o único fato novo na sucessão de São Paulo foi o ingresso de José Serra como candidato. O outro foi o afastamento da senadora Marta Suplicy (PT-SP) dos atos paulistanos de seu partido. Marta, atualmente, sempre tem um “compromisso pessoal”, como anunciou ontem para justificar a ausência na convenção do PT que homologou a candidatura de Fernando Haddad a prefeito. 
Ora, todos que lidam nesse ramo sabem da preferência dos políticos. Eles sempre fazem da agenda partidária um sacerdócio. Não tem batizado de neto que os afaste dos momentos importantes de suas respectivas legendas nem que seja apenas uma “passadinha”, entre o batizado em si e o almoço de comemoração. Que esposa de político não ouviu do marido: “Vou ali só fazer um discurso e já volto”. Que marido de deputada ou senadora não ouviu: “Olha, preciso dar uma passadinha ali, só para marcar presença, dizer umas poucas palavras”? Faz parte da vida deles. 

Por falar em vida...Ao alegar um compromisso pessoal para faltar ao evento mais importante de seu partido este mês — ainda mais quando todos sabem da importância dela nesta campanha —, Marta deixa um recado nas entrelinhas, literalmente: a campanha de Haddad não representa prioridade para ela nem é caso de vida ou morte. E, se ela tiver outro compromisso pessoal que considere mais interessante ou inadiável, não tem nem uma “passadinha” onde quer que o candidato esteja. Portanto, quem criou Haddad que carregue a campanha dele por São Paulo afora — leia-se Lula. 
E Lula, em São Paulo, jamais venceu eleição de prefeito usando apenas o prestígio pessoal. Ali, se a população não sentir firmeza no candidato, não vai. E, se nem os partidos aliados de Dilma apoiarem Haddad — caso do PR, que se diz independente, mas nem tanto —, restará a João Santana buscar o milagre da multiplicação dos votos, o que, em se tratando do PT paulista, é um desafio e tanto. Até porque, em junho de 2010, temporada das eleições presidenciais, Dilma estava empatada com José Serra em alguns institutos e à frente do tucano em outros. Agora, Fernando Haddad está atrás em todos. Assim, fica difícil até evitar que outros potenciais aliados terminem lançando candidatos próprios. Afinal, em política, a prioridade de todos é a sobrevivência. Ninguém gosta de embarcar em barco que não demonstra estabilidade na largada. 

Por falar em barco...Outro Fernando que está numa canoa sem remos é Cavendish, da Delta. E a partir de hoje, é bom que ele se prepare, porque, convocados os governadores, a semana deve ser tomada por uma pressão violenta no sentido de chamá-lo a depor na CPI do Cachoeira. E, depois que a J&F desistiu de comprar a empresa, Cavendish deixou de ser o “antigo dono da Delta, empresa envolvida nos negócios de Carlos Cachoeira”. Além disso, acresceu ao título de proprietário a mensagem: “Quem criou a confusão — ou permitiu que os desvios ocorressem, sem interferir — que responda pelo imbróglio”, assim como Lula responderá pela campanha de Haddad. 
Pelo visto, a política entra agora na fase do velho ditado “quem pariu Matheus que o embale”. Nesse sentido, vale ainda observar atentamente o comportamento do PSDB durante o depoimento do governador de Goiás, Marconi Perillo, na CPI, na semana que vem. E também dos petistas, no caso de Agnelo Queiroz, do Distrito Federal. A sensação que se tem é a de que, se a canoa desses governadores começar a fazer água, seus partidos vão largá-los no meio da rua. A conferir.

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