sexta-feira, junho 29, 2012

Profissão de risco - ROQUE MESQUITA


FOLHA DE SP - 29/06

O projeto de lei que amplia a segurança a juízes ameaçados de morte não é um privilégio. São 150 nessa situação. Não podemos ter novos funerais

Ser magistrado no Brasil se tornou uma profissão de risco. De agosto a novembro de 2011, segundo o Conselho Nacional de Justiça, o número de juízes ameaçados de morte subiu de cem para 150 magistrados -em 2012, já são mais de 150.

Diante da população do Brasil ou das ações contra a vida que acontecem nas cidades, o que são 150 brasileiros ameaçados de morte? Parece um dado insignificante. Não é.

Toda vida é importante, nem que seja para quem corre o risco de perdê-la. Isso sem contar pais, mães, maridos, esposas, filhos e filhas que sentem em uma única perda o suficiente para tornar suas vidas um inferno. Não podemos jamais deixar nossa perspectiva dos fatos e da vida ficar amortecida pelos números.

Em maio, o Senado aprovou projeto de lei que amplia a segurança dos juízes ameaçados de morte. Uma boa medida, sem dúvida. Trabalhar e viver são direitos inalienáveis de todos os brasileiros garantidos na Constituição e não podem ser tratados como privilégios.

Posso afirmar, com meus quase 40 anos de serviços prestados ao Poder Judiciário na qualidade de magistrado, que a maior parte dos meus colegas, se pudesse, dispensaria tal privilégio. A razão para isso se chama cidadania.

O Poder Judiciário não está alheio às transformações da sociedade nos últimos anos. Uma das mais significativas é o crescimento do sentimento de cidadania. O regime democrático é o grande responsável por isso, e os reflexos se verificam em toda a sociedade.

Sentir-se cidadão, pleno de seus direitos -e cumpridor de seus deveres- faz com que cada um de nós se torne mais participante da sociedade. Portanto, exigir que as instituições funcionem e que nossas leis sejam cumpridas é direito de todos para o bem da coletividade.

Nenhum magistrado quer o privilégio da segurança pessoal, mas não podemos abrir mão dele. Dizer que a insegurança pode atrapalhar o julgamento dos magistrados não é exagero. Por mais preparados que estejam, são seres humanos. As ameaças à vida conseguem interferir de forma diferenciada sobre cada um.

O medo é uma das piores sensações que existem. Para sorte de nossa sociedade, há muita gente corajosa disposta a correr risco pela coletividade -e, posso afirmar com segurança, há muitos bons exemplos na magistratura.

A coragem é o primeiro tijolo do arcabouço moral que mantém em atividade os magistrados jurados de morte.Outros tijolos são formação moral, caráter e desejo de fazer prevalecer a Justiça sempre.

Nos tempos modernos em que vivemos, ontem já é passado distante. Mas a memória existe para que os fatos sejam lembrados. Faz quase um ano que a juíza Patrícia Acioli foi assassinada a tiros. Foi uma perda irreparável para sua família.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, desembargador Nelson Calandra, comentou entre revoltado e entristecido que, na época do enterro de Patrícia, ele já havia comparecido a outros quatro funerais como aquele.

Torno a lembrar o que disse no início desse artigo: mais de 150 magistrados trabalham para fazer cumprir a lei com um alvo costurado às suas costas. Será que assistiremos a mais algum funeral? Chega de mártires. A lei do mais forte não se imporá.

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